Título: Nas mãos do STF
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 22/08/2007, O País, p. 3

MENSALEIROS NO TRIBUNAL

Corte começa a decidir hoje se aceita ou não denúncia contra 40 acusados do mensalão.

Dois anos depois de abrir investigação sobre o escândalo que provocou a maior crise política no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal inicia hoje o julgamento do caso do mensalão, como ficou conhecido o esquema montado para distribuir recursos para partidos aliados ao governo. Em dois anos, 27 dias e 14 mil páginas de investigação, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal mapearam o dinheiro que irrigou o valerioduto. Saíram das contas do empresário Marcos Valério, o operador do mensalão, pelo menos R$40,5 milhões em benefício de 178 pessoas, aponta um dos 140 apensos do inquérito. Os depósitos foram apelidados pelos investigadores de kit mensalão, por reunirem as mesmas características.

Ontem, o STF viveu um dia de agitação atípica, na véspera do julgamento que decidirá, a partir das 10h de hoje, se aceita ou não a denúncia contra os 40 acusados. Se a denúncia for aceita, começa a ação penal contra o grupo - que pode demorar, pelo menos, de dois a três anos. Oito dos dez atuais integrantes do tribunal reuniram-se no gabinete da presidente, Ellen Gracie, num encontro omitido da agenda oficial do STF.

O encontro, segundo explicação oficial, foi para acertar detalhes burocráticos do julgamento. Antes da reunião, o relator do inquérito, o ministro Joaquim Barbosa, reagiu com irritação a especulações de que o Planalto teria tido acesso ao seu voto e à opinião dos colegas:

- O governo não funciona no meu gabinete - retrucou o ministro, indicado por Lula para o STF em maio de 2003.

A denúncia do Ministério Público acusa os 40 envolvidos de participarem de uma "organização criminosa" com ramificações em partidos da base aliada. Na lista estão o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT, José Genoino, e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.

A reunião dos ministros foi cercada por mistério. Seguranças bloquearam o acesso a parte do terceiro andar do tribunal. Depois do encontro, Ellen Gracie disse ter tratado apenas de questões técnicas, como a duração das sessões e a ordem em que os advogados ocuparão a tribuna. O defensor de José Dirceu, José Luís de Oliveira Lima, será o primeiro.

- Nosso objetivo é que o julgamento transcorra com tranqüilidade - afirmou a ministra, que espera não precisar de sessão extraordinária na segunda-feira para concluir a votação. - Vamos tentar terminar na sexta.

Ellen prometeu informar hoje se exercerá o direito de voto. Com a aposentadoria precoce do ministro Sepúlveda Pertence, anunciada semana passada, o plenário ficou com nove integrantes além da presidente, o que limita a possibilidade de impasse ao impedimento de algum ministro.

Ministros receberam o relatório ontem

Com cerca de 50 páginas, o relatório de Barbosa foi enviado ontem aos gabinetes dos colegas. Barbosa negou que a reunião fechada, à qual só não compareceram os ministros Marco Aurélio de Mello e Carmen Lúcia, tenha sido convocada para evitar discussões em plenário.

- É da tradição do tribunal que os ministros se manifestem como bem entenderem.

Sorteado para relatar o inquérito há dois anos, Barbosa voltou a dizer que só concluirá seu voto a poucas horas do fim do julgamento. Segundo ele, o texto, em que decidirá se aceita ou não a denúncia, ainda não está concluído. Na peça, que deve ultrapassar as 400 páginas, ele analisará cada acusação:

- Comigo o voto é sempre um work in progress (trabalho em andamento).

O ministro Carlos Ayres Britto classificou o relatório de ótimo. Único remanescente do julgamento que absolveu o ex-presidente Fernando Collor, o ministro Celso de Mello disse que o inquérito do mensalão é cinco vezes mais complexo, por causa do número de envolvidos.

A segurança do STF ergueu um alambrado de metal para isolar o edifício da Corte e evitar a aproximação de manifestantes. Telões foram montados no saguão para transmitir a sessão para os que não conseguiram vaga no plenário.

O inquérito do caso afirma que Marcos Valério omitiu do Banco Central os destinatários dos saques em dinheiro. As retiradas eram no caixa, após autorização de uma funcionária de Valério, fazendo parecer que os beneficiários eram fornecedores da agência SMP&B. Documentos vindos dos Estados Unidos permitiram comprovar que o Banco Rural movimentava recursos no exterior, e assim o publicitário Duda Mendonça recebeu parte dos R$10 milhões pagos a ele pelo PT por campanhas eleitorais. Laudos do Banco Central mostram que as empresas de Valério realizaram movimentações superiores às suas capacidades. A SMP&B deve R$10 milhões, mostra documento da Advocacia Geral da União (AGU) inserido no inquérito.