Título: Brasil viveu dois anos em um
Autor: Nunes, Vicente; Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Economia - Tema do Dia, p. 11

O tombo da economia interrompeu o mais longo ciclo de crescimento das últimas três décadas. Os números foram negativos no trimestre, mas positivos no ano

A ¿marolinha¿ que o presidente Lula garantia ter atingido o Brasil, em meio à mais grave crise mundial desde 1930, se mostrou, na verdade, um tsunami. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil interrompeu, no último trimestre de 2008, o mais longo ciclo de crescimento econômico dos últimos 30 anos. O Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país, desabou 3,6% ante o terceiro trimestre, a maior queda desde início da série histórica do IBGE, há 13 anos.

No ano, porém, o PIB teve incremento de 5,1%, o segundo melhor resultado entre 10 países listados pelo instituto ¿ perdeu apenas para a China, com 9,1%. A demanda doméstica, na qual o governo está apostando todas as fichas para sustentar o crescimento de 2009, cravou alta anual de 7,4%, depois de ter encostado nos 9% em setembro. ¿O que vimos a partir de outubro foi um país em forte desaceleração¿, disse Amanda Rodrigues Tavares, economista do IBGE.

O desastre econômico do quarto trimestre de 2008 foi puxado pela indústria, com queda de 7,4%, e pelos investimentos, com retração de 9,8%. Mas também o consumo das famílias, com queda de 2% (o primeiro, desde o segundo trimestre de 2003), pesou para o que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, classificou como um ¿impacto violento¿. Dos indicadores que compõe o PIB, somente os gastos do governo apontaram crescimento: 0,5%, funcionando como uma espécie de amortecedor, o que o economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, classificou como questionável. Para ele, as despesas deveriam estar concentradas em investimentos e não no pagamentos de servidores e de benefícios a aposentados e pensionistas. A agricultura cedeu 0,5% e o setor de serviços, 0,4%.

¿De tudo o que vimos nos número divulgados pelo IBGE, o pior foi o do investimento¿, assinalou a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. Pelas suas contas, sozinha, a chamada formação bruta de capital fixo (FBCF) respondeu pela queda de 1,9 ponto percentual do PIB entre outubro e dezembro. ¿Foi um reflexo imediato da forte contração do crédito e do pessimismo que tomou conta do empresariado¿, destacou. Ela acredita que ainda no primeiro trimestre de 2009 os investimentos terão queda. No ano, porém, é possível um saldo positivo caso o governo consiga destravar o crédito e o Banco Central mantenha firme o processo de redução da taxa básica de juros (Selic). A despeito do tombo nos últimos três meses, a FBCF fechou o ano com expansão de 13,8% ¿ o melhor resultado desde 1996 ¿, fazendo com que a taxa de investimentos atingisse a marca recorde de 19% do PIB.

Fim do mundo Segundo Amanda Tavares, do IBGE, o crédito também interferiu para o bem e para o mal no consumo das famílias. No quarto trimestre, a escassez de financiamento e o brutal aumento dos juros levaram muitos consumidores a uma atitude preventiva, suspendendo as compras. No acumulado do ano, porém, o consumo das famílias cresceu 5,4%, puxado pelo avanço de 30,3% nas operações de crédito e pelo aumento de 7,9% da massa salarial. ¿Certamente, o crédito continuará presente na vida dos consumidores, mas muita gente manterá o pé no freio temendo o desemprego¿, acrescentou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.

Já o consumo do setor público, com incremento de 5,6% no ano, tende a se manter forte. ¿Mas o governo deve manter a cautela necessária. Não pode achar que o mundo acabou e que pode sair gastando descontroladamente¿, assinalou Leal. Ele acredita, inclusive, que, com o intuito de estimular a economia, o superávit primário (poupança para o pagamento de juros da dívida) será reduzido dos atuais 3,8% para até 2,5% do PIB.

¿Mas há limites para os gastos. Por isso, a importância da redução da taxa básica de juros (Selic) como estímulo adicional¿, complementou. ¿E que todos se preparem: a cara da economia brasileira não é mais a que se via até setembro, com crescimento acima de 6% e crédito correndo solto. Agora, a cara é de uma economia com avanço próximo de zero e crédito caro e restrito.¿

Para o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o resultado do PIB no quarto trimestre de 2008 mostrou que a economia brasileira não está imune à crise num mercado globalizado. Mas, a seu ver, os bons fundamentos do país ajudarão na retomada e farão com que o Brasil tenha condições de sair mais rápido do atoleiro no qual o mundo se meteu desde o estouro da bolha imobiliária americana.

O BC aposta que a maior parte do ajuste dos estoques que se acumularam na indústria e no comércio no fim do ano passado já ocorreu e a produção voltará a recuperar o fôlego a partir do segundo trimestre do ano. Esse melhora, no entanto, dependerá ¿ e muito ¿ do cenário internacional, destacou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto. Segundo o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, o setor pode fazer a diferença neste ano, se o pacote habitacional prometido pelo governo realmente sair do papel.

-------------------------------------------------------------------------------- PIB por setores

Investimentos

Dos componentes da demanda interna, os investimentos tiveram o pior desempenho, caindo 9,8% em relação ao trimestre anterior. Como partiram de um crescimento de 8,4% entre julho e setembro, registraram também o maior tombo. Na comparação com o mesmo trimestre de 2007, a desaceleração foi de 19,7% para 3,8%. No ano, os investimentos cresceram 13,7%, ainda o maior número na série histórica do IBGE. O volume total foi equivalente a 19% do PIB.

Consumo

O consumo das famílias caiu 2% em relação ao trimestre anterior, primeira taxa negativa desde o segundo trimestre de 2003 (-1,2%). Em relação ao mesmo trimestre de 2007, houve expansão de 2% ¿ atingindo o 21° crescimento consecutivo nessa comparação. A despesa aumentou 5,4% em 2008, no 5º ano consecutivo de elevação. Contribuíram para o desempenho a alta de 7,9% na massa salarial dos trabalhadores e de 30,3% nas operações de crédito para as pessoas físicas.

Indústria

Entre os ramos da economia, a indústria registrou o pior resultado, numa retração de 7,4%. Em relação ao quarto trimestre de 2007, o setor teve queda de 2,1%. Nessa comparação, o produto da indústria de transformação caiu 4,9%, influenciado pelo recuo na produção de veículos, máquinas e equipamentos, têxteis e químicos, entre outros. No ano, a expansão foi de 4,3%, com destaque para a construção civil (8%) e eletricidade, gás e esgoto (4,5%).

Serviços

A queda no setor de serviços foi de 0,4%, o único resultado negativo ao longo do ano. Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior, tiveram alta segmentos como informação (9,1%) e intermediação financeira (4,9%). O grupo transporte, armazenagem e correio registrou queda de 2%, seguido do comércio (-1,3%). No ano, os serviços cresceram 4,8%, com destaque para intermediação financeira (9,1%), informação (8,9%) e comércio (6,1%).

Agropecuária

Depois de dois trimestres de resultado positivo, a agropecuária voltou a registrar queda no PIB. A contração foi de 0,5%. Na comparação com o quarto trimestre de 2007, o setor cresceu 2,2%. Segundo o IBGE, a expansão se deveu basicamente ao aumento na produção de alguns itens, como trigo (47,5%), cana-de-açúcar (19,2%) e laranja (0,1%). No ano, a expansão foi de 5,8%, com destaque para trigo, café, cana, milho em grão, arroz, feijão e soja.

Comércio exterior

O baque foi grande, afetando mais as importações (-8,2%) do que as exportações (-2,9%). Foi o único resultado negativo nas compras no ano, enquanto as vendas já tinham encolhido no primeiro e terceiro trimestres. Em relação ao último trimestre de 2007, os embarques subiram 7% e os desembarques, 7,6%. Entre os mais afetados, estão minérios, metalurgia, agrícola, química, calçados e automóveis. No ano, as vendas caíram 0,6%, enquanto as compras subiram 18,5%.