Título: Por linhas tortas
Autor: Nunes, Vicente; Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Economia - Tema do Dia, p. 11

PIB ruim não define futuro. Aqui, decisões erradas levaram a um quadro favorável frente à crise

O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) de 2008 revelado pelo IBGE veio como previsto: notável até outubro e péssimo depois daí. Não houve uma só economia, mas duas ¿ a da prosperidade global em seus últimos dias, que aqui durou pouco mais de quatro anos contra uma década e meia em marcha batida lá fora, e a da crise, iniciada em meados de 2007 nos EUA. Chegou aqui depois do estouro do Lehman Brothers em setembro, o estopim da paralisia do crédito no mundo.

Com a crise solta em toda parte, não há tempo a perder com o que ficou para trás: o crescimento de 5,1% do PIB anual, contra 5,7% em 2007. O número relevante está na evolução do 4º trimestre, que desabou 3,6% sobre o 3º trimestre, vindo de desempenhos positivos trimestrais de 1,6%, 1,6% novamente e 1,7%. Sobre igual período de 2007, o PIB no 4º trimestre cresceu 1,3%, vindo de alta de 6,8%.

Em linhas gerais, servindo-se do resumo da consultoria LCA, veio da indústria, pela ótica da oferta, a grande influência negativa para a economia no fim de 2008, com retração de 7,4% sobre o 3º trimestre ¿ o maior tombo desde o 4º trimestre de 1996. O PIB da agropecuária recuou 0,6% e o de serviços, 0,4%, no mesmo período.

Pelo lado da demanda, em resposta à parada abrupta do crédito no mundo, parecendo aviso de incêndio com alguém berrando ¿Corram!¿, o principal fator de baixa do PIB no último trimestre foi daquilo que os economistas chamam de Formação Bruta de Capital Fixo e nós, gente simples, falamos apenas investimentos, expressando o esforço de empresas e de governos para ampliar a capacidade instalada da produção e da oferta de infraestrutura de transportes e energia.

Compreensível: a economia vinha surfando na onda da prosperidade global, o que estimulou o empresariado a se endividar para ampliar a produção, sobretudo visando exportar mas também pensando na nova demanda doméstica resultante da ampliação sucessiva dos gastos dos programas sociais e do crédito a perder de vista, levando a classe média a se endividar. Se a banca se dissolvia nos EUA, em seguida na Europa, logo depois em toda parte, literalmente o mundo parou.

Investimento afundou O investimento caiu 9,8% do 3º ao 4º trimestre, depois de crescer 8,4% no período anterior (conforme revisão do IBGE, atualizando o número inicial de 6,7%). Dependente da situação do investimento e do consumo das famílias, que caiu 2% sobre o terceiro trimestre, a demanda interna recuou 3%, devolvendo a expansão de 3,2% observada no período trimestral anterior. A economia virou o ano neste piso, e é a partir dele que devem agir as ações compensatórias.

Ruim, mas nem tanto Analisados tais dados em meio às tensões da economia, com a crise global sem apontar onde está o fundo do poço, é natural certa dose de pessimismo. Mas não é bem assim. Todas as economias relevantes no mundo caíram muito mais. E seguem recuando, enquanto no Brasil a atividade econômica parou de cair. E até já voltou a crescer em alguns setores, embora a partir de um patamar de produção muito menor que a sua evolução até setembro. Além disso, o IBGE promoveu uma alteração estatística na metodologia do PIB, o que implicou um resultado maior do 4º trimestre sobre o 3º. Sem ela, a queda teria sido de 2,6%, contra os 3,6% apurados. Ainda negativo, mas menos.

Governo não diz tudo Outra avaliação menos corrente, especialmente do governo, que não quer passar recibo, é que dos juros anti-inflação do Banco Central à política de empenho maciço da até então estupenda arrecadação de impostos mais em gastos públicos correntes e custeio da máquina do Estado do que em investimentos, correlacionando-se este movimento à ortodoxia monetária, tudo fez a economia a crescer abaixo de seu potencial, estimado em 4,7% anual. A produção, além disso, é mais sujeita à demanda interna, não ao mercado externo, que travou.

Na China, a dependência de exportações passa de 30% do PIB. Aqui é de 14%. Juros altos e aversão ao dólar lastreando o crédito ao consumo, além disso, livraram os bancos e o consumidor da débâcle financeira global. É a necessidade de pagar dívidas sustentadas em ativos que ninguém mais sabe quanto valem que explica o monumental desastre nos EUA e Europa. Aqui, problema é o baixo endividamento.

A melhor situação relativa do Brasil em relação ao mundo, que os maus resultados do PIB no fim de 2008 não eliminam, está nisso: as consequências certas devido a decisões erradas. Deus é brasileiro.

O caminho de volta Hoje, se o BC fizer o serviço, cortando de modo másculo a Selic e parando de ingenuidade com os depósitos compulsórios, devolvendo-os à banca contra compromisso estrito de emprestá-los, e o governo economizar para compensar a queda das receitas em vez de inventar moda, a economia vai retomar o crescimento tão rápido quando caiu.

Isso, obviamente, descontado o efeito da recessão global sobre a renda, parte da qual se pode recuperar por meio do mercado interno com maior distensão da Selic, mais crédito e gasto fiscal pontual. É tudo? Não. Muitos planos de expansão visando o mercado externo terão de ser moderados ¿ como o petróleo do pré-sal e projetos de mineração. Gastar com eles por bom tempo será desperdício.