Título: Lula quer corte de 1,5% na Selic
Autor: Nunes, Vicente; Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Economia - Tema do Dia, p. 11

Todo o governo está mobilizado à espera da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que será anunciada hoje. A expectativa, conforme afirmou o presidente Lula a vários assessores, é de que a taxa básica de juros (Selic) caia pelo menos 1,5 ponto percentual, dos atuais 12,75% para 11,25% ao ano. Ele acredita que, neste momento, essa é a melhor maneira de dar um novo ânimo ao país, abalado pelo tamanho do choque provocado pela crise internacional, que fez evaporar 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre de 2008 e empurrou o país para a recessão. ¿Não descartamos, inclusive, a possibilidade de a Selic cair dois pontos nesta quarta-feira¿, disse um dos mais próximos auxiliares de Lula.

A pressão sobre o BC está enorme. ¿Não há nada que justifique um corte inferior a 1,5 ponto¿, afirmou o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho. ¿Com o tombo monumental da atividade, os riscos de inflação se dissiparam por completo. Estou prevendo um índice para este ano de apenas 3,9%¿, destacou. Para o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Sousa Leal, é muito provável que, até julho, a taxa Selic esteja em 9,75% ao ano. Mas tanto ele quanto Thadeu não acreditam que a forte reação do BC impedirá que o PIB feche o ano com retração de até 1%.

A expectativa é de que a decisão do Copom não seja unânime. O mercado admite que pelo menos dois diretores do BC, Mário Mesquita (Política Econômica) e Mário Torós (Política Monetária), votem por um corte de apenas um ponto, alegando riscos para a inflação, que vem mostrando resistência em cair, apesar de a produção e o consumo estarem no chão. Os analistas também cogitam a possibilidade de o BC discutir um corte de dois pontos. ¿O susto com a queda do PIB foi grande. Até o BC se surpreendeu com o resultado do último trimestre de 2008¿, admitiu um técnico da instituição.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, vinha tentando ¿esfriar¿ os ânimos, insuflados por empresários e sindicalistas, alegando que o Copom não correria o risco de agir com ¿irresponsabilidade¿. Mas todo o argumento conservador usado por ele se desfez com as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, ¿é crucial aproveitar , na plenitude, o espaço que existe na política monetária e promover, no curto prazo, reduções de juros mais intensas¿. No entender de Patrícia Branco, sócia-gestora da Global Equity, ¿a preocupação do Copom neste momento não é com a inflação, mas com o risco de deterioração ainda maior da atividade econômica¿.

-------------------------------------------------------------------------------- Protesto

Mesmo sob chuva, trabalhadores ligados às centrais sindicais iniciaram ontem um protesto em frente ao Banco Central (foto) defendendo a redução dos juros. O acampamento será mantido até a tarde desta quarta-feira, quando se encerra a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). ¿Esperamos que o BC baixe os juros em até 2%. Se baixar os juros dará uma sinalização para quem tem dinheiro de que é melhor investir na atividade produtiva, elevando a geração de emprego¿, afirma o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. A Força divulgou ontem uma nota defendendo medidas intensas e urgentes do governo contra a crise econômica. ¿Com certeza, teríamos um PIB (Produto Interno Bruto) mais animador se os insensíveis tecnocratas do Banco Central tivessem feito cortes maiores na taxa básica, no decorrer do ano passado. Como podemos alavancar a economia sendo campeões mundiais em taxa de juros?¿ (Da Redação)

-------------------------------------------------------------------------------- O brasiliense na crise

Flávia Foreque e Letícia Nobre Da equipe do Correio

O reflexo da crise financeira mundial no Brasil apareceu nos números do Produto Interno Bruto (PIB), que registrou queda de 3,6% nos últimos três meses de 2008. Os dados apenas confirmam o que boa parte da população já sabe há meses: a economia brasileira não é mais a mesma e o tempo da bonança pode demorar a voltar.

Apesar da crise ter nascido nos Estados Unidos, parte dos brasilienses está se adaptando à nova realidade, diminuindo o consumo ou eliminando dívidas como forma de se prepararem diante de um período de economia mais difícil. Foi o que demonstraram as pessoas ouvidas pelo Correio. Ainda que preocupadas, persiste a sensação de que Brasília está mais protegida da instabilidade por causa do funcionalismo público, que responde por 60% da renda da cidade.

A preocupação da dona de casa, do pequeno e do grande empresário, do trabalhador da construção civil e do funcionário público é saber como tudo o que ocorre na economia mundial irá mudar a rotina. O desemprego do marido, as prestações atrasadas do carro, a conta que não fecha no final do mês, o aumento dos preços no supermercado e a falta do crédito, que reduz as vendas, são mais importantes.

Quem tem medo da crise prefere não correr riscos, encolhe a lista de compras e corta gastos supérfluos. Funcionários públicos estão tranquilos e nem ligam para a crise. Todos têm a esperança como ponto em comum e estão otimistas em acreditar que o pior já passou. Orlando Neves Barbosa, 28 anos, mestre de obras. Orlando vai todos os dias ao Sistema Nacional de Empregos (Sine) na Asa Sul ver o quadro de ofertas. O mestre de obras de 28 anos era autônomo e procura um emprego fixo para garantir a pensão da filha, de 3 anos. ¿Emprego em firma é mais certo. A pensão custa R$ 150 e a mãe da minha filha ameaça ir à Justiça porque não estou pagando.¿ A linha de telefone está muda e o limite do cheque especial foi usado. São dois meses sem trabalho e o medo é ter o nome negativado. ¿Não sei quanto tempo vai demorar, mas quero que essa crise acabe logo.¿

Edmilson Machado de Guerra, revendedor de veículos usados. As vendas praticamente pararam de novembro a março na Stock Car, na Cidade do Automóvel. ¿Mandamos embora 25 funcionários. Para manter a loja aberta tem que fazer mágica¿, comenta Edmilson Machado, um dos donos. Segundo ele, diariamente eram comercializados entre 180 e 200 veículos e hoje, não passam de 80 unidades. ¿O pequeno (empresário) não tem incentivo do governo. Os juros altos e os limites de crédito continuam o mesmo¿, diz. ¿A crise nos pegou de calças curtas e temos que fazer malabarismo para não perder o cliente.¿

Avaldir da Silva Oliveira, diretor presidente da CTIS A crise dava os primeiro sinais quando a CTIS reviu os investimentos. ¿Puxamos o freio para os investimentos agressivos em novas lojas. Revisamos e cortamos os gastos para preservar os funcionários¿, comenta Avaldir. A cautela, porém, não reduz as boas expectativas para 2009. ¿Pretendemos colher frutos das preocupações do ano passado, quando crescemos 6%¿, revela, acrescentando que a pretensão de crescimento para este ano é de 25%. Para ele, Brasília reflete um mercado diferenciado e que não sente tanto a crise. ¿No Rio e em São Paulo, que dependem mais da indústria, a retração foi maior, com demissões em massa. Não se vê isso em Brasília.¿

Maria Judite, 70 anos, comerciante Quando a crise chegou ao quiosque de Maria Judite no Setor de Autarquias Sul, a primeira medida da comerciante foi mudar o sistema de venda das refeições. Se antes o cliente podia comer à vontade e pagar R$ 5 pelo almoço, agora é a dona do lugar quem controla a quantidade de carne em cada prato, R$ 1 mais caro. "O pessoal não quer comer carne em casa, só no restaurante", justifica. A medida foi uma forma de economizar no supermercado, já que o número de fregueses caiu pela metade. E os próprios clientes de dona Judite também cortaram gastos. ¿Quem comia um sanduíche no café da manhã agora pede pão com manteiga e um pingado.¿

José Anastácio Costa, 45 anos, servidor público ¿A crise não teve influência nenhuma nas minhas despesas e economias¿, afirma o servidor público José Anastácio Costa. Lotado no Ministério do Esporte, acredita que o noticiário exibe um cenário mais sombrio do que de fato se observa. ¿O boato é mais forte¿, resume. A estabilidade do emprego no setor público, tanto de José como de sua esposa, contribui para o casal se manter alheio aos índices alarmantes na economia mundial. No trabalho, afirma ele, o tema não está em pauta na conversa com os colegas. ¿O que tinha antes da crise está do mesmo jeito depois dela¿, avalia.

Osmar de Jesus Gama, 36 anos, vendedor de tintas Desde o início da crise, a loja de tintas onde Osmar Gama trabalha passou a exibir nas prateleiras marcas menos conhecidas (e mais baratas) e a oferecer formas de pagamento mais camaradas. ¿A choradeira aumentou. Às vezes a pessoa vai comprar um galãozinho de tinta e sai pesquisando preço.¿ Segundo o comerciante, as vendas caíram 20%, o que afetou o orçamento familiar, já que o salário de Osmar depende muito das comissões de vendas. O morador de Águas Lindas afirmou que não assumiu novas dívidas e foi preciso cortar gastos para enfrentar os novos tempos. ¿Tive que passar meu carro para frente porque me apertei muito.¿ A renda não foi suficiente para efetuar o pagamento das 26 parcelas restantes do automóvel. Até o filho de 12 anos foi atingido: os pais não compraram todos os itens solicitados na longa lista de material escolar. ¿Às vezes até uma cervejinha no fim de semana não dá.¿

Osório Adriano Neto, diretor e vice-presidente do grupo Brasal A crise assustou mas não vai tirar o pique de crescimento do grupo Brasal. ¿Todo mundo ficou diante do caos, o crédito sumiu¿, observa Osório Neto. Passado o susto, as empresas mantiveram as linhas de investimentos e querem crescer 15% mais que em 2008. ¿Lançamos um empreendimento em novembro e tem 220 das 360 unidades vendidas. Estamos otimistas, especialmente se o resto do ano for como dos dois primeiros meses.¿

Dirce Albuquerque, 70 anos, dona de casa A dona de casa Dirce Albuquerque não sentiu o impacto da crise na economia brasileira. Apesar disso, preferiu encher o carrinho de compras com produtos mais baratos, principalmente na seção de material de limpeza. ¿É um cuidado que a gente tem que ter. E a marca nem sempre é sinal de melhor qualidade. A gente só aprende isso com maturidade ou necessidade.¿ A servidora aposentada só não retirou da lista a carne de boa qualidade. Dirce não dispensa o filé mignon.