Título: Procurador: eles agiam no 'submundo do crime'
Autor: Franco, Bernardo Mello e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 23/08/2007, O País, p. 4

MENSALEIROS NO TRIBUNAL: Antonio Fernando reitera a participação de integrantes do governo no esquema criminoso.

Segundo denúncia, os 40 indiciados participaram de operações ilegais ou foram beneficiados pelo mensalão.

BRASÍLIA. Em pouco mais de uma hora de sustentação oral, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, acusou os 40 investigados de agir como integrantes do "submundo do crime", e defendeu a abertura de processo criminal contra todo o grupo. Para convencer os dez ministros da Corte a instalar a ação penal, Antonio Fernando ponderou que, se a movimentação de tanto dinheiro fosse mesmo regular, deveria ter sido realizada por meio de transferências bancárias. Em vez disso, os recursos eram entregues em espécie, acomodados em malas, com o cuidado de manter em sigilo a identidade dos beneficiários.

De acordo com o Ministério Público Federal, pelo menos R$55 milhões circularam ilegalmente entre os bancos Rural e BMG, as empresas do publicitário Marcos Valério e parlamentares e dirigentes de cinco partidos da bancada governista.

- Se tudo não passou de acordos políticos honestos e corriqueiros, era necessário o estabelecimento de um sistema de transferência de vultosos recursos que, em vez de valer-se dos mecanismos bancários mais ágeis e seguros, sempre efetuava os repasses dos valores em espécie, acondicionados em pastas 007, em pacotes ou sacos de lona, em locais inadequados? Por que não agir às claras, como procedem as pessoas de bem? - disse o procurador.

Dinheiro de origem criminosa

Antonio Fernando ressaltou que todos os denunciados sabiam que a origem do dinheiro que abasteceu o valerioduto era criminosa. Segundo as investigações, os recursos eram obtidos através de empréstimos bancários irregulares e de contratos fraudulentos do Banco do Brasil, do Ministério dos Transportes e da Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado reeleito João Paulo Cunha (PT-SP).

O dinheiro seria usado pelo governo para comprar o apoio de parlamentares de partidos aliados em votações no Congresso. Para o procurador-geral, o "modus operandi" pouco usual dos indiciados constitui prática tipicamente criminosa.

- Todos os repasses (foram feitos) sempre à margem dos procedimentos bancários mais expeditos e mais seguros. Tal descrição, que é típica do submundo do crime, revela a rotina vivenciada pelos denunciados por muito tempo - afirmou.

O procurador reiterou a acusação de que integrantes do governo - em especial o então chefe da Casa Civil, o deputado cassado José Dirceu (PT-SP) - tiveram atuação fundamental para garantir o funcionamento do esquema. Como peças-chave da "organização criminosa", ele voltou a citar integrantes da cúpula do PT na época dos repasses: o tesoureiro, Delúbio Soares; o secretário-geral, Sílvio Pereira; e o presidente do partido, José Genoino, que hoje exerce mandato de deputado (PT-SP).

- Não é possível imaginar que esquema de tamanho porte, que tinha entre os objetivos principais a obtenção de apoio parlamentar e político, tenha existido sem o envolvimento de algum membro do governo federal e de integrantes do partido do governo - concluiu.

Segundo a acusação, os 40 indiciados participaram de operações ilegais ou foram beneficiados pelo mensalão. No caso dos dirigentes dos bancos Rural e BMG, do publicitário Marcos Valério e de seus sócios e funcionários, a intenção era se aproximar cada vez mais do governo em troca de favores. Para Antonio Fernando, Valério e a direção do PT não tinham a intenção de pagar os empréstimos, e os bancos também não faziam planos de receber os recursos de volta: estavam mais interessados em conquistar influência entre agentes públicos:

- Por que razão os denunciados teriam levantado as cifras milionárias e depois distribuído de forma clandestina? Estaríamos, por acaso, diante de um surto de filantropia político-partidária? Certamente não.

Na introdução da denúncia de 136 páginas, entregue em março do ano passado ao STF, Antonio Fernando aponta Dirceu como chefe da "organização criminosa" que operava o mensalão. Ontem, só mencionou o nome do petista após 40 minutos de discurso. Depois disso, não parou mais. Foi o momento mais enfático da fala do procurador, que abandonou a discrição e permeou as palavras com gesticulações amplas e apelos diretos aos ministros da Corte.

Nenhum acusado foi ao STF

O procurador preocupou-se em definir com adjetivos cada um dos principais integrantes do esquema. Quando se referia a Marcos Valério, fazia questão de mencionar seus "comparsas". Genoino foi citado como o homem que desempenhou "papel político indispensável para o sucesso do projeto do grupo". Delúbio teria comandado a parte "operacional" do esquema. Para o procurador, era ele o "principal interlocutor junto aos demais núcleos da quadrilha": indicava quem deveria receber o dinheiro, quanto e quando.

O julgamento da denúncia proposta pela Procuradoria Geral da República continuará pelo menos até sexta-feira, e pode ser estendido numa sessão extraordinária já reservada na próxima segunda. Se a acusação for aceita, o inquérito será transformado em ação penal e os 40 investigados passarão à condição de réus. A expectativa é de que a decisão seja tomada apenas na semana que vem, já que todos os acusados têm direito a 15 minutos de defesa em plenário. Ontem, as sustentações orais começaram à tarde, na segunda parte da sessão. Nenhum dos acusados compareceu ao STF.

Pouco depois das 10h, a presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie Northfleet, deu início à sessão. Após breves considerações sobre o julgamento, o ministro Joaquim Barbosa, que conduziu o inquérito, começou a ler o relatório de 50 páginas em que resumiu a denúncia de Antonio Fernando e apresentou um sumário das defesas dos investigados. Quando essa fase for concluída, provavelmente na sessão de hoje, Barbosa vai proferir seu voto. Ele optará entre aceitar toda a denúncia, acolher parcialmente as imputações ou rejeitar toda a acusação. Em seguida, os demais ministros da Corte apresentarão os votos que, juntos, selarão o destino dos 40 acusados.