Título: Câmara vai discutir situação em favelas
Autor: Rocha, Carla e Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 23/08/2007, Rio, p. 19
Ministro da Justiça classifica como intolerável a presença de grupos armados que impõem suas leis nas comunidades.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados aprovou ontem a realização de um seminário para abordar a violação dos direitos fundamentais dos moradores de favelas. O pedido, feito pelo deputado federal Chico Alencar (PSOL), tem como base a série de reportagens do GLOBO "Os brasileiros que ainda vivem na ditadura". Na reunião, os integrantes da comissão afirmaram que, se nada for feito, situações semelhantes às que vêm sendo relatadas pelo jornal poderão se repetir em outros estados.
- A gravidade da perda de controle do poder público sobre essas áreas foi muito destacado na reunião. Deputados de Minas, Pernambuco e Goiás disseram que esse processo já começa em seus estados. Não está no grau do Rio, mas há um processo em curso - disse Chico Alencar.
Segundo ele, o seminário "Os excluídos dos direitos: caminhos para livrar o povo favelado da tirania do tráfico e das milícias e da omissão do Estado" deve acontecer em outubro e vai abordar, com autoridades, especialistas e representantes das comunidades, formas de garantir os direitos dos moradores.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, classificou como intolerável a existência de grupos armados que impõem regras nas favelas. Na avaliação do ministro, existem áreas nas comunidades em que as leis do Estado concorrem com as normas dos poderes paralelos do crime:
- É intolerável a existência de zonas desse tipo numa verdadeira democracia. Devemos fazer um esforço suprapartidário, de Estado, para acabar com tais territórios.
De acordo com Tarso Genro, uma das saídas para esse problema é o governo federal destinar recursos e apresentar programas e propostas que articulem políticas de segurança e ações sociais. Lembrando que a segurança pública é atribuição dos estados, o ministro acrescentou que o Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania, lançado esta semana, trouxe uma inovação.
- O programa inova, propondo uma articulação entre a União, os estados e os municípios, com aplicação de fortes recursos financeiros do governo federal, para que enfrentemos juntos essas dramáticas deformações - disse.
Na opinião do ministro, o saldo nesses últimos 22 anos de redemocratização do país, mesmo com a existência de áreas onde os moradores não têm respeitados os seus direitos fundamentais, é positivo. Isso porque a população reconquistou o direito de lutar contra as condições que geram esse tipo de situação. O ministro observou, por outro lado, que apenas ações de repressão não vão mudar o cenário atual.
- Um regime de força é totalmente impotente para acabar com o crime e a violência. De uma parte, porque nele o Estado monopoliza tais crimes e violências, tornando-se ele próprio uma máquina de crimes contra o conjunto da sociedade. De outra parte, porque soluções verdadeiramente duradouras são complexas e têm que ser processadas dentro de um contrato social aberto, com a participação livre de todos os cidadãos - disse o ministro.
Mães pedem investigação sobre execuções
Ontem, um grupo de mães de vítimas da violência se reuniu para um ato na Cinelândia, no Centro do Rio. As manifestantes cobraram a criação de um núcleo especial no Ministério Público estadual, para investigar os casos de execuções e desaparecimentos. Uma delas era Euristéia de Azevedo, de 59 anos, que perdeu o filho, o sargento do Exército William Keller de Azevedo, de 24, uma das quatro vítimas da Chacina do Maracanã. Ao saírem de uma casa de shows em São Cristóvão, ele e mais três que o acompanhavam foram mortos por policiais militares em 10 de outubro de 1998.
- Por causa do corporativismo da polícia, só agora o caso está virando processo - disse Euristéia.