Título: Chute para fora
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 05/09/2007, O Globo, p. 2

Ontem pela manhã, o deputado Ciro Gomes estava no Palácio das Mangabeiras, tomando café com o governador Aécio Neves. Na véspera, seu nome fora lançado candidato a presidente pelo bloco de esquerda (PSB-PDT-PCdoB). À tarde, na Câmara, Ciro era pródigo em referências positivas ao PT, reconhecendo-lhe pleno direito à candidatura própria, defendida no congresso do fim de semana. Mas o assunto sucessão agora está na agenda e essa foi uma conseqüência da abordagem do assunto pelo PT.

A outra face do poder é a expectativa de poder. É sabido que o poder dos governantes começa a definhar quando entram em cena os próximos donos do poder, os que têm a expectativa de poder. Quando essa expectativa já tem um nome, um sucessor eleito, por exemplo, ainda que seja um aliado, diz a lenda que o café começa a chegar frio ao gabinete. Lula, que iniciou seu segundo mandato há apenas oito meses, era o menos interessado e pode ser o mais prejudicado pela aprovação de uma moção em defesa da candidatura própria do PT em 2010. E, mesmo tendo ele hoje o partido a seus pés, carente e dependente de sua popularidade, o presidente conseguiu apenas dourar a pílula, impondo uma mudança no texto, que se referiu, na versão final, a uma candidatura "a ser construída" com os aliados. Uma gentileza, nada mais, que não altera o essencial, a disposição para disputar com um nome petista. Legítima, como diz Ciro no papel de bom-moço aliado, mas intempestiva e até inócua, pois nem candidato o partido tem hoje.

Ciro tem conversado permanentemente com Aécio Neves. De Serra, tem birra, mas disfarça. Com o mineiro, diz-se que poderia até compor uma chapa, figurando como vice. Uma recente pesquisa do PSDB aponta Ciro como o político mais popular no Nordeste, depois de Lula. Sobre o que falaram?

- Mais uma vez, sobre o Brasil, trocando impressões sobre o que vemos no horizonte.

Sobre o PT:

- Ninguém pode lhe negar o direito a ter candidato. O PT é o partido mais importante do Brasil. Não se pode falar em política progressista no Brasil sem o PT. Eu sou progressista; logo, sou aliado do PT.

Quanto à hora de se falar no tema:

- Isso é outra coisa. Digo a todos que falar de sucessão agora é um desserviço à nação: reelegemos Lula em situação adversa, o governo está trabalhando e produzindo bons resultados. Mas só reverteremos o favoritismo da oposição em 2010 se o presidente e seu governo estiverem à frente de um grande êxito.

No meio da conversa entra Miro Teixeira:

- Ciro, quando é que posso apresentar seu nome às bases do PDT?

É isso. Lula agora terá que dar duro para tirar a sucessão de pauta, se é que conseguirá. A oposição está animadíssima. Ontem, no arraial tucano, já se especulava com um cenário de racha ainda maior no campo lulista, o de três candidaturas: a do PT, a de Ciro pelo Bloco de Esquerda, e uma do PMDB, tipo Jobim.

O STF: seus louros, seus privilégios

O que Nelson Jobim disse a Renan Calheiros foi que não há no Supremo o menor clima para romperem a lua-de-mel com a opinião pública. Renan então desistiu de um recurso para tentar garantir o voto secreto no Conselho de Ética. O julgamento recente pôs o STF nas alturas, e é justo o júbilo de seus membros. Mas agora, para fazer jus ao papel de guardião da ética, o Supremo precisa de um ajuste de conduta. Por exemplo, reduzindo seus privilégios salariais, extensivos a outra estrela da hora, o procurador-geral, e ao Ministério Público.

Na última sessão da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, no dia 29 passado, foi aprovado projeto que reajusta os salários dos ministros da Corte (teto do Judiciário) de R$24.500 para R$25.725. Os ministros do STJ teriam reajuste de R$23.275 para R$24.438,75. O impacto sobre o gasto público seria de R$105,4 milhões. Na sessão, o vice-líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), protestou:

- Este reajuste é desnecessário e vai contra o esforço para equilibrar as finanças do país e distribuir melhor a renda. Reforça a desigualdade salarial entre os poderes e vai se propagar em cascata.

Ontem, o deputado Silvio Torres (PMN-PE) propôs uma audiência pública, à qual a ministra Ellen Gracie ou um representante do STF teria de comparecer para defender o aumento. Foi rejeitado pela Comissão de Finanças.

- Parece que a Casa tem medo do Judiciário! - diz ele, que voltará à carga na CCJ, para onde agora vai a proposta.

RODRIGO MAIA, presidente do DEM, acusou ontem o governo de descumprir a Emenda 29, subtraindo parte dos recursos obrigatórios para a saúde. No governo Lula, o setor teria perdido R$4 bilhões. O governo, por sua vez, acusa os governadores de incluírem como gastos em saúde, para fechar a cota deles, despesas correlatas, como alimentos para merenda escolar. Já passa mesmo do tempo de regulamentar a Emenda 29, que fixa os gastos dos três entes federativos. O projeto mais avançado (e que reúne maior consenso) é o do senador Tião Viana, que vai ao plenário do Senado na semana que vem. Mas só passa com boa vontade da oposição.