Título: Esquerda carece de um projeto de nação
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Mundo, p. 21

Autor de Fórmula para o caos ¿ A derrubada de Salvador Allende (1970-1973), lançado em setembro, Luiz Alberto Moniz Bandeira é um dos maiores intelectuais brasileiros. Ao Correio, ele explicou que a esquerda liderada hoje por Michelle Bachelet é muito diferente daquela que teve o presidente Allende como ícone. Seu teor neoliberal e a dependência do comércio com os Estados Unidos devem fazer com que o país sofra mais durante a crise financeira.

É possível estabelecer alguma relação política ou ideológica entre a esquerda chilena de Salvador Allende e a Concertación de Bachelet? Não é possível estabelecer qualquer relação política ou ideológica entre elas. Entre a era de Salvador Allende e o surgimento Concertación ocorreu no Chile um processo de desindustrialização e reestruturação industrial, promovido pela ditadura do general Augusto Pinochet, com profundos reflexos sociais e, consequentemente, políticos. A Concertación, diferentemente da Unidade Popular, inclui tanto socialistas e social-democratas quanto democratas-cristãos, muitos dos quais, como Patricio Aylwin, favoreceram o golpe militar de 1973. O Partido Socialista, muito menos o conjunto da Concertación, tem um projeto de nação e de Estado, uma vez que não tratou de mudar sequer o modelo econômico neoliberal, instituído pelos Chicago¿s Boys.

Mas o que se fala no exterior é do sucesso do desenvolvimento planejado chileno¿ Com este modelo, a concentração da propriedade foi de tal ordem que quase 80% das vendas internas e 90% das exportações do Chile ¿ restritas, fundamentalmente, a minerais e produtos agropecuários ¿ estão nas mãos de 1% das empresas. E o fundamentalismo de mercado afetou até o sistema educativo, a qualidade e o acesso, devido à transferência de recursos públicos para as instituições privadas. Daí, as violentas manifestações estudantis com que o governo de Bachelet se defrontou, embora a Concertación tenha conseguido reduzir a faixa da população abaixo da linha de pobreza para cerca de 18,2%.

O Chile está pronto para a possibilidade de a direita recuperar a Presidência chilena? É muito difícil prever. E, se a direita vencer, o quadro social e político não mudará substancialmente, mas a situação econômica no Chile deve agravar-se. O Chile sofrerá mais diretamente as consequências da crise econômica e financeira, devido aos seus estreitos vínculos comerciais com os Estados Unidos. O preço da libra de cobre, diante do colapso financeiro, caiu de US$ 3 para US$ 1,7, e suas exportações, que representam cerca de 30% do total exportações do país, ainda constituem a principal fonte de divisas. E os problemas energéticos aumentarão ainda mais em 2009, afetando em larga medida o abastecimento doméstico e comercial. Esses e outros percalços provavelmente terão reflexos nas eleições.