Título: Banco Rural no banco dos réus
Autor: Brígido, Carolina e Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 24/08/2007, O País, p. 2

Presidente e diretores do Banco Rural devem se tornar hoje os primeiros processados.

Apresidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane podem se tornar os primeiros réus no caso do mensalão. Ontem, o relator no Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, votou a favor da abertura de processo penal contra o grupo pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. Os ministros Marco Aurélio de Mello e Cezar Peluso votaram da mesma forma. Os outros sete integrantes da Corte devem se manifestar hoje.

A expectativa é que o resultado do julgamento só seja conhecido na próxima semana. Se a denúncia do Ministério Público for aceita, o inquérito será transformado em ação penal e os indiciados passarão à condição de réus. Barbosa começou ontem a apresentar seu voto - que tem cerca de 400 páginas - pelo quinto capítulo da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sobre o chamado núcleo financeiro do esquema de pagamento de mesada a parlamentares. O núcleo foi acusado de aprovar empréstimos a empresas de Marcos Valério e ao PT em valores desproporcionais à capacidade de pagamento dos beneficiados. As empresas e o partido receberam, segundo as investigações, R$292,6 milhões em 2005.

Laudos do Banco Central anexados à investigação revelam que os empréstimos foram renovados sem a necessidade de pagamento dos primeiros débitos. O relator afirmou em seu voto não ter dúvidas de que a situação configura gestão fraudulenta. Pela Lei do Colarinho Branco, o crime pode resultar em pena de três a 12 anos de prisão. Os dirigentes do Rural também foram indiciados por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas. Esses casos deverão ser analisados pela Corte nos próximos dias de julgamento.

- Dirigentes do Banco Rural deixaram de avaliar os reais riscos de crédito, simulando uma situação contábil que de fato não existia. Foram realizadas operações de nível de risco elevado, com o emprego de artifícios por dirigentes do banco, para camuflar os riscos e ludibriar as autoridades - afirmou Barbosa.

O ministro Marco Aurélio apresentou voto concordando com as exposições do relator. Mas fez uma ressalva: para ele, ainda é cedo para acusar o grupo no crime de gestão fraudulenta. O ministro defendeu que os diretores permaneçam sendo investigados e, no futuro, o tribunal decida se é mais conveniente enquadrá-los na prática de gestão temerária, que tem pena de dois a oito anos de prisão.

Em seu voto, Peluso rebateu as alegações da defesa de que a denúncia do procurador-geral não era detalhada o suficiente para justificar abertura de processo criminal:

- A acusação de gestão fraudulenta não exige a descrição de atos minuciosos, de atos pontuais. A acusação é clara e permite ampla defesa. Não vejo neste caso a necessidade de individualizar conduta, até porque isso seria impossível nesta fase.

O elevado número de indiciados no caso - 40 pessoas - e de crimes investigados levou Barbosa à decisão de apresentar seu voto de forma fragmentada. Ele começou a exposição ontem pelo quinto capítulo da denúncia, um dos menos complicados. Quando iniciou a leitura, só restava uma hora para o fim da sessão. As duas horas anteriores foram de tensão no plenário. Foram debatidas questões preliminares apresentadas pelos advogados, que tentavam desqualificar as provas e enfraquecer aspectos técnicos da denúncia.

Barbosa sugeriu a rejeição, uma a uma, de todas as questões. A discussão mais acirrada aconteceu em torno do pedido de anulação de provas obtidas por meio de quebra de sigilo fiscal e bancário determinada pela CPI dos Correios, que investigou o escândalo em 2005, e pelo próprio STF. A defesa de Marcos Valério alegou que os documentos teriam sido fornecidos pelo Banco Central à Procuradoria sem a devida autorização judicial. O argumento, posteriormente rejeitado pelos ministros, chegou a motivar um bate-boca em plenário.

- O Banco Central não pode escancarar os dados de correntistas. Paga-se um preço por viver no estado democrático de direito - disse o ministro Marco Aurélio.

- Todas as provas foram obtidas de forma legal - reagiu Barbosa, demonstrando irritação.

Apontado pela Procuradoria Geral da República como comandante da organização criminosa, o ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) alegou ser alvo de julgamento político, que caberia aos eleitores e não aos ministros da Corte.

- Não há qualquer alusão a atos ou posicionamentos político-ideológicos do acusado. Mesmo porque o Judiciário não cuida e não deve cuidar de temas dessa natureza - retrucou Barbosa.

Num raro momento de concordância com o relator, o ministro Marco Aurélio fez coro:

- Eu ocupo uma cadeira de juiz, e não uma cadeira do Parlamento. Não se pode imaginar, por maior que seja a perda de parâmetros, que essa Corte possa atuar de forma política.

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