Título: Divulgação de diálogos é alvo de controvérsia
Autor: Menezes, Maiá e Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 24/08/2007, O País, p. 8

Entre os que criticam, o argumento é de violação de privacidade; quem apóia defende a liberdade de imprensa.

RIO e SÃO PAULO. A divulgação, pelo GLOBO, do teor das conversas eletrônicas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), durante a leitura da denúncia sobre o mensalão, levantou a questão: houve excessos na atuação da imprensa no caso? Entre os que respondem que não, o principal argumento é a proteção do direito de acesso à informação, em um ambiente público. Entre os que condenam a publicação dos diálogos, é comum a defesa da privacidade dos magistrados.

Para jurista, mérito é revelar a rotina da Corte.

O jurista Ives Gandra Martins sustenta que as mensagens eletrônicas revelam trechos de uma rotina comum em qualquer tribunal. Mas há mérito do fotógrafo Roberto Stuckert Filho em ter ficado atento ao trivial. Ele lembrou que o acesso do repórter e da câmera fotográfica ao plenário foram liberados pelo STF.

- Foi um brilhante trabalho de jornalismo. Mas, para quem vive a rotina do Judiciário, nada do que foi apresentado é novo. Antes, a troca de impressões era apenas oral. Agora, existe o meio eletrônico. Às vezes, frases agressivas são trocadas até na hora do café. Só que para o público isso não costuma ser revelado - disse o jurista.

O caso suscitou polêmica. Para o jurista Luis Roberto Cardoso, a conversa entre os ministros era privada, mesmo acontecendo em um ambiente público. A divulgação do teor, segundo ele, caracteriza invasão de privacidade.

- O fato de o acesso à informação ter se dado em um ambiente público pode excluir a ilicitude da conduta do jornalista, mas não descaracteriza a natureza privada da conversa - disse o jurista, ressaltando que não vê, nos diálogos, nada de impróprio:

- Na maior parte do mundo, as supremas cortes ou tribunais constitucionais decidem os casos que lhes são submetidos em sessões reservadas, onde procuram produzir consenso ou conciliar posições. Mesmo no STF, não é incomum ministros mudarem seus votos, cedendo ao argumento do outro - completou.

Nenhum dos juristas ouvidos pelo GLOBO enxergou, nos diálogos, combinação de votos. O jurista Dalmo Dallari concorda com Barroso a respeito da normalidade dos diálogos:

- É normal a troca de idéias nos julgamentos, o que não significa barganha.

O jurista Celso Campilongo chama os diálogos de naturais:

- Parece mais do que razoável haver conversas numa composição como o STF. Mais complicado do que a troca de bilhetes é a invasão de privacidade - disse ele, com uma ressalva:

- Se a discussão sobre a sucessão do ministro Sepúlveda Pertence acontecia durante as sustentações, é um deslize. Mostra falta de atenção com um processo desta relevância - pondera.

O ex-ministro da Justiça Célio Borja afirma que a discussão sobre a sucessão de Pertence foi "inconveniente", mas sustenta que a divulgação das conversas abala o princípio da "privacidade funcional".

- A imprensa deveria se abster de revelar a intimidade das opiniões dos juízes, durante um julgamento, para preservar a independência do Poder (Judiciário). Com a divulgação, os juízes ficam expostos a constrangimentos - disse o jurista.

Condenação é totalitária, diz Alberto Dines

O jornalista Alberto Dines, editor do "Observatório da Imprensa", sustenta que o ambiente público justifica a publicação das conversas. Ele afirma que, nesse caso, a atuação dos jornalistas é ainda mais defensável do que no uso das imagens do assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, flagrado fazendo gestos obscenos ao comemorar reportagem do "Jornal Nacional" sobre o acidente com o Airbus A-320 da TAM:

- A sessão era franqueada aos jornalistas. Eles (os ministros) que tomassem cuidado e não se deixassem flagrar. A condenação da divulgação é atitude totalitária, discricionária e oligárquica - disse Dines.

Em seu blog, o colunista do GLOBO Ricardo Noblat lembrou que os ministros sabiam que os fotógrafos estavam no plenário:

- A sessão é pública. Os ministros sabiam que poderiam ser alcançados pelas lentes dos fotógrafos. Trocaram e-mails à frente de todos porque quiseram. Ou porque foram descuidados. O assunto por eles tratado é de interesse público.