Título: Entidades divergem sobre troca de mensagens
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 24/08/2007, O País, p. 9

OAB e Ajufe entendem que divulgação foi invasão de privacidade; AMB diz que lei proíbe juízes de antecipar votos.

BRASÍLIA. A divulgação de mensagens eletrônicas trocadas por ministros do Supremo dividiu entidades do meio jurídico. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) consideraram que houve invasão de privacidade na publicação, pelo GLOBO, de diálogos entre os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, via computador, na primeira sessão de julgamento do mensalão. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) condenou o teor da conversa, por entender que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) proíbe juízes de antecipar votos e influenciar colegas. Para a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o GLOBO cumpriu sua obrigação jornalística de tornar públicos fatos relevantes para a sociedade.

AMB: incomunicabilidade dos juízes nas sessões

O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, se disse perplexo. Segundo ele, a Justiça brasileira segue o princípio da incomunicabilidade dos juízes nas sessões. E citou o artigo 36 da Loman, que proíbe magistrados de "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento".

- Não é do nosso costume o debate prévio entre juízes, ainda mais a troca de impressões tão pessoais sobre o julgamento. A idéia é que cada juiz forme isoladamente seu convencimento e apresente ao plenário.

Collaço sugere que os ministros esclareçam o trecho sobre a escolha do substituto do ministro Sepúlveda Pertence. Para o presidente da AMB, o GLOBO não cometeu irregularidade:

- Pela relevância do julgamento e pela autoridade do tribunal, o fato principal que gera perplexidade é a troca de mensagens de cunho tão pessoal em meio a julgamento tão importante. Eu não teria reprimenda em relação ao GLOBO.

Em nota, o presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, compara o episódio à instalação de grampos: "O Brasil não pode virar um "Big brother". Sem privacidade, não há liberdade. (...) Não será surpresa se começarem a colocar grampos nos confessionários para violar o segredo religioso da confissão. É preciso prudência para que tais anomalias não se transformem em prática corriqueira e adquiram contornos de legitimidade. Não podemos cair num estado de bisbilhotagem, cujo desdobramento inevitável é o estado policial, ambos incompatíveis não apenas com o estado democrático de direito, mas com os fundamentos da civilização".

O presidente da Ajufe, Walter Nunes, disse que as mensagens tinham caráter privado. Segundo ele, é "razoável e desejável" que juízes discutam processos para formar opinião:

- Isso sempre ocorre antes de julgamentos. Com a tecnologia, é saudável que façam por meio eletrônico. Não se trata de um querer influenciar o outro. Quem chega ao Supremo tem bagagem e livre arbítrio para fazer julgamento por si próprio.

Nunes considerou natural o tom informal adotado pelos ministros, uma vez que pensavam estar numa conversa privada:

- Isso é assegurado em todas as Constituições do mundo. No Brasil, é o direito à impunidade. A revelação das conversas entre os ministros maltrata o princípio basilar da democracia.

Fenaj: "Condenável seria ter acesso e não divulgar"

O presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, elogiou a reportagem do GLOBO:

- O compromisso do jornalista é com a verdade. Sendo de interesse público e veraz, é obrigação da imprensa levar ao conhecimento da sociedade. O GLOBO não invadiu a rede (de computadores). Não há invasão de privacidade. São pessoas públicas, num espaço público. Tudo o que fazem está sujeito a registro sonoro e de imagem. O condenável seria o jornal ter acesso a essas informações e não divulgá-las.