Título: Grande número de infectados reduz perigo
Autor: Costa, Célia; Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 21/09/2008, Rio, p. 19

Probabilidade de epidemia no verão é remota porque muitos moradores do Rio já tiveram contato com vírus 2

Célia Costa e Selma Schmidt

A probabilidade de ocorrer uma nova epidemia de dengue no próximo verão é remota, na avaliação de epidemiologistas. Eles lamentam, no entanto, que isso não se deva ao controle dos índices de infestação pelo Aedes aegypti, que continuam acima de 1% por cem casas visitadas, percentual considerado tolerável pela Organização Mundial da Saúde. O fator decisivo, dizem, é que a maioria da população já teve dengue causada pelo vírus do tipo 2, responsável pela grave epidemia deste ano e que ainda predomina no estado.

Mas para alguns municípios existem riscos, informam o chefe do Departamento de Medicina Preventiva da UFRJ, Roberto Medronho, e o professor da UFRJ Edimilson Migowski. As cidades em questão são aquelas com um grande número de pessoas suscetíveis (não imunes), como as do Norte e do Sul Fluminense, além de Nilópolis, na Baixada, onde ocorreram este ano poucos casos de dengue provocada por vírus 2.

Com a chegada da primavera, amanhã, às 12h44m, a preocupação cresce, já que a temperatura se eleva e a quantidade de chuvas aumenta:

¿ É um absurdo que o Rio de Janeiro dependa de que grande parte da população fique doente, e assim imune à doença causada por um determinado vírus, para que no ano seguinte não ocorra uma epidemia ¿ lamentou Medronho.

Crianças foram as mais atingidas pela epidemia

A probabilidade de ocorrência de uma nova epidemia é baixa, no entanto, apenas considerando-se a hipótese de que o vírus 4 não chegue ao Brasil. Esse vírus já provocou surtos em países vizinhos. Além disso, ainda estão sendo analisadas amostras de sangue de pessoas suspeitas de terem contraído a dengue desse tipo. Caso o vírus 4 chegue ao país, como ninguém é imune, haverá uma explosão de casos.

¿ Poderemos ter uma nova epidemia ¿ disse Migowski.

Na epidemia deste ano, as crianças foram as mais atingidas, porque parte delas teve contato com o vírus 3 (responsável pela epidemia de 2002) e, ao serem contaminadas pelo vírus 2, desenvolveram a forma mais grave da doença. Foi na faixa etária de até 15 anos que aconteceram 36% dos óbitos.

Para Medronho, surpreendentemente, alguns casos não evoluíram para dengue hemorrágica, e sim para dengue grave e com complicações. A cepa (raça de uma espécie, sobretudo de microrganismos) do vírus 2, lembrou, está mais agressiva.

Para o epidemiologista, os índices atuais de infestação pelo Aedes são preocupantes. Na região do Grande Méier, por exemplo, chega a 4,20%:

¿ Esse percentual é alto para uma época considerada desfavorável para o mosquito.

O Climatempo informou que, no Sudeste, a chuva cairá de forma irregular ao longo da primavera. No Rio de Janeiro e na Zona da Mata de Minas Gerais, a situação será diferente. Choverá mais do que o normal em outubro e novembro. Em dezembro, o índice pluviométrico ficará abaixo da média.

Bairros continuam com focos de mosquito

Em áreas bastante atingidas pela epidemia este ano, não é difícil encontrar focos de mosquitos. Numa ronda semana passada por ruas da Taquara, de Curicica e Camorim, o entomólogo Anthony Érico, da Fiocruz, achou vários. Na esquina da Rua Rodrigues Caldas com a Orfanato Liberal, na Taquara, pneus com terra foram enfileirados para impedir que a lama de um barraco atinja a pista.

¿ A água da chuva está retirando a terra dos pneus. Alguns já estão sem terra e com água acumulada. Esses pneus, com material orgânico e água limpa, viraram locais propícios para o desenvolvimento do Aedes aegypti ¿ disse Érico.

Perto dali, em Curicica ¿ bairro com a segunda maior taxa de incidência de dengue este ano ¿, mais um sinal de falta de falta de zelo. No quintal de uma casa à venda na Estrada Outeiro Santos, Érico se deparou com um pneu de moto com água.

¿ Tomo cuidado. Minha caixa d¿água está sempre tampada e não coloco pratinho embaixo de plantas. Mas, infelizmente, nem todo mundo pensa assim ¿ lamentou o comerciante Carlos Gilberto Rodrigues, que mora em frente à casa à venda.

Mais adiante, em Camorim ¿ bairro que teve a maior taxa de incidência de dengue ¿, num terreno usado como lixão na Rua Clóvis Correia da Costa, o professor localizou muitos focos, entre garrafas, copos e sacos plásticos.

¿ Sempre estou ateando fogo ao lixo. Só que o terreno não é cercado e as pessoas voltam a jogar lixo ¿ contou Pedro Gonçalves Barreto.

oglobo.com.br/rio