Título: Juventude armada
Autor: Klingl, Erika
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2009, Cidades, p. 23

Em janeiro de 2008, houve 195 apreensões de armas ilegais no DF. No mesmo mês deste ano, foram 264, aumento de 35%. Segundo a polícia, a maior parte delas estava na mão de adolescentes e jovens adultos

A apreensão de armas de fogo no Distrito Federal cresceu 35% na comparação entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2008. No início do ano passado, uma média de seis armas foi recolhida diariamente pelas polícias Militar e Civil, num total de 195 apreensões. Só em janeiro deste ano, foram 264 revólveres, pistolas e espingardas apreendidos. É como se, a cada dia, nove armas fossem parar nas delegacias do DF. A maioria delas, de acordo com os responsáveis pela Segurança Pública, foi encontrada na mão de adolescentes e jovens. ¿Muitos criminosos entregam as armas para os menores de idade porque o Estatuto da Criança e do Adolescente é mais brando do que o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento¿, observa o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Antônio José de Oliveira Cerqueira.

¿Prendemos um adolescente com arma e menos de uma semana depois da volta dele para a rua, ele está com outro revólver¿, completa o major Laércio Silvano Oliveira, responsável pelo comando policial da região do Recanto das Emas. Além da prática de crimes, para os garotos que fazem parte das gangues, as armas significam status. ¿Um revólver é quase um fetiche para essa meninada. É um sinal de poder¿, analisa a socióloga Mírian Abromovay, especialista em violência da Rede de Informação Tecnológica Latino Americana. Esse fenômeno ficou ainda mais forte depois do Estatuto do Desarmamento, em 2003. Como a legislação tornou o comércio, o porte e a posse de armas mais restritos (leia O que diz a lei), os armamentos encareceram. ¿As armas usadas pelos jovens são, normalmente, fruto de roubos e passam de mão em mão entre os adolescentes do grupo¿, completa Míriam. Somente na última segunda-feira, dois adolescentes foram encontrados com armas de fogo. A primeira foi uma garota de 15 anos com um revólver calibre .38 na mochila dentro de uma escola no Recanto das Emas. Em Samambaia, outro adolescente de 15 anos foi pego com um revólver calibre .38. Ele contou que comprou a arma para se defender de rivais. No mesmo dia, mais duas armas foram apreendidas, desta vez com jovens adultos. Também em Samambaia, um rapaz de 19 anos acabou preso após assaltar um pedestre com um revólver calibre .38. E, no Paranoá, a polícia apreendeu outra arma que estava com um homem de 23 anos.

Origem ¿Não sei como o meu filho consegue arma. Eu não dou dinheiro para ele comprar. Com certeza é algum adulto mal intencionado que dá para ele¿, observa a mãe do adolescente Lúcio*, 17 anos. No último domingo, Lúcio assassinou um e feriu outro jovem de uma gangue rival em Planaltina e foi parar no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Trata-se do quarto homicídio cometido por ele em três anos. Todos com armas de fogo. ¿Ele mata porque está jurado de morte¿, lamenta a tia do garoto, que se apega às orações para tentar recuperá-lo. A história de Lúcio* foi contada pelo Correio há 10 dias como exemplo da reincidência de adolescentes no crime.

Ontem, os colegas de Lúcio compareceram ao enterro do garoto que ele matou para acertar as contas com os prováveis algozes de outro jovem assassinado no domingo. De acordo com o relato da equipe formada pelo sargento Lobo Júnior, dois adolescentes foram encaminhados à Delegacia de Criança e do Adolescente com uma arma calibre .38 municiada.

Para o promotor de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude do Distrito Federal Oto de Quadros, a descoberta da origem das armas é um desafio. ¿Sempre perguntamos aos adolescentes onde eles conseguiram as armas. Eles respondem de forma evasiva e, muitas vezes, remetem a uma das feiras do rolo (de produtos roubados) espalhadas pelo DF¿, observa. O promotor explica que o porte de armas por um adolescente é um ato infracional que deve ser punido com medida socioeducativa ou liberdade assistida. ¿O problema é que essa punição não vem ou só ocorre muito tempo depois, com delitos mais graves. Aí o adolescente fica com a sensação de impunidade muito forte e a recuperação torna-se muito mais difícil.¿

O aumento da apreensão de armas chamou a atenção das autoridades da Segurança Pública no DF porque, em 2008, o número já foi considerado muito alto: 2.478 armas de fogo. Para se ter uma ideia, em 2007, 1.205 pessoas foram detidas por porte ilegal de armas. ¿Já era para estar faltando armas no DF. A inteligência da polícia trabalha neste momento para descobrir se há algum paiol na região ou a rota de entrada de armas de outros estados para cá¿, adianta o coronel Cerqueira. ¿Desde o Estatuto, as armas passaram a ser muito mais controladas e visadas nas ações das polícias¿, comenta o secretário de Segurança, Walmir Lemos.

Para a dona de casa Isabel Maria dos Santos, 50 anos, o controle não se mostra suficiente. Ela ainda não se recuperou do susto que passou na madrugada de domingo quando um homem armado e bêbado invadiu a casa dela. ¿Foi a maior confusão¿, conta. A polícia só apareceu na residência, na Estrutural, 40 minutos depois do primeiro telefonema em busca de socorro. ¿Rezei tanto que ele dormiu e não fez nada com a gente. Só quebrou a casa toda¿, lembra Izabel.

*Nome trocado em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente