Título: Nos EUA, economistas não vêem um fim à vista
Autor:
Fonte: O Globo, 21/09/2008, Economia, p. 37
Para Bill Rhodes, vice-presidente sênior do Citicorp, pior está por vir. Consenso é de que crise entra em nova fase
José Meirelles Passos
WASHINGTON. Certezas, nunca mais. Desfaz-se o mito. As habituais, e já tradicionais, auto-afirmações de grandeza dão lugar a dúvidas. Tio Sam, o gigante, tem pés de barro - percebem, cada dia mais, os americanos, tratando de buscar maneiras de se situar depois dos constantes choques de realidade.
- Há uma crescente percepção de que não há um fim à vista para essa crise - disse Edward Yardeni, economista-chefe do Deutsche Bank, em Nova York.
Até mesmo a perspectiva de um pacote de medidas sem precedentes - cuja proposta foi enviada ontem ao Congresso - não estimula grandes esperanças, segundo ele.
- O impacto positivo dessas arrumações do governo, desses resgates e salvamentos de emergência está claramente se desgastando - disse.
- Acho que cada dia agora é sui generis. Cada período de 30 minutos de operações na bolsa pode ser o último - constatou, apavorado, Douglas M. Peta, estrategista de mercado da firma de corretagem J. & W. Seligman & Company.
Improviso das regras leva a incertezas
O veterano banqueiro Bill Rhodes, atualmente vice-presidente sênior do Citicorp, também anda preocupado. Esta é a pior crise que ele já viu em sua longa carreira. Rhodes disse que jamais viu uma falta de confiança mútua tão grande entre as próprias instituições financeiras. Tanto é que houve um congelamento de empréstimos entre elas próprias. E as que ainda arriscam tais operações realizaram uma substancial elevação nas taxas de juros. Uma desconfia que a outra vai quebrar e dar calote:
- Por enquanto estamos numa bolha: ainda não vimos o impacto disso tudo na economia real - ressaltou o banqueiro, insinuando que o pior ainda estaria por vir.
As empresas do setor financeiro nos EUA foram entregues à sua própria sorte há oito anos, sob a doutrina da auto-regulação - tão apreciada pelo presidente George W. Bush. As interferências do governo foram relegadas ao mínimo. O problema, percebe-se agora, é que o monitoramento também seguiu essa trilha.
As intervenções realizadas até aqui pelo Departamento do Tesouro e pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) foram recebidas com reservas. Por um motivo específico: a falta de clareza das regras que começaram a ser impostas, às vezes de forma improvisada, na tentativa de estabilizar os mercados.
- A incerteza aumenta quando o banco central muda constantemente as regras e quando falha em se explicar claramente. O resultado disso é que os agentes do mercado adotam o que vêem, e então há um aumento no premium (taxa suplementar) por incertezas - disse David Kotok, chefe de investimentos da Cumberland Advisors.
Há um consenso de que a crise financeira entrou numa nova fase, mais perigosa para o sistema, uma vez que os investidores tendem, agora, a buscar alvos mais seguros, como o ouro.
Busca de investimento seguro fragiliza economia
Isso reduz as operações estilo cassino de Wall Street. Essa busca de segurança compromete ainda mais uma economia já fragilizada, tornando mais caro para as empresas o financiamento de suas operações diárias, que costumam bancar por meio dos negócios do dia-a-dia na ciranda das bolsas.
- Pode ser que estejamos testemunhando a maior destruição da riqueza financeira que o mundo jamais viu. Riqueza corporativa. Riqueza imobiliária. Riqueza bancária. Riqueza privada. Riqueza de pensões - argumentou Steven Pearlstein, colunista econômico do "Washington Post".
Segundo ele, talvez haja algo mais do que psicologia em todo esse processo. Pode ser mesmo um caso de choque de realidade:
- O que realmente está acontecendo, no nível mais fundamental, é que os Estados Unidos estão num processo de serem forçados, por seus credores estrangeiros, a começar a viver de acordo com os meios de que dispõem, sem dinheiro barato.