Título: Doutrina ignorada
Autor: Barreto, Fábio M.
Fonte: O Globo, 21/09/2008, O Mundo, p. 43

É extremamente perturbador o fato de a maior parte dos debates sobre temas importantes serem conduzidos atualmente por especialistas que possuem grande confiança e muito pouco conhecimento sobre os temas. A polêmica dessa vez começou quando Charles Gibson, da rede ABC, pediu que Sarah Palin desse sua visão sobre a doutrina Bush.

A divagação de Sarah ao tentar responder à pergunta resultou numa intervenção incisiva, e com plena convicção, de Gibson, que resumiu o que queria dizer com doutrina Bush: ¿ataques preventivos¿. Diante da situação constrangedora, Charles Krauthammer foi em defesa de Sarah, alegando que existem pelo menos quatro versões distintas para o que se conhece como doutrina Bush. Já Joe Klein, com também absoluta e ao menos tempo injustificada autoconfiança, sentenciou: só há uma doutrina Bush, a da prevenção contra ameaças emergentes. Diante de tudo isso, um colunista de um jornal canadense, frustrado, concluiu: ninguém sabe o que é doutrina Bush.

Mas isso não corresponde exatamente à verdade. A doutrina Bush não é o ¿Código Da Vinci¿. As diretrizes dessas doutrina refletem diretamente as convicções do presidente sobre a natureza do mundo pós 11 de Setembro e de como agir diante dele a partir de então.

Muitos discursos do presidente sobre essa doutrina podem ser citados como ilustrativos. Mas a visão política dela pode ser claramente percebida em seu discurso sobre o Estado da União, em 2006, onde defendeu três elementos básicos de seu pensamento. A primeira é uma resposta agressiva contra as ameaças em segurança. O presidente deixou claro em sua visão que as principais ameaças da nova era ¿ redes terroristas, regimes fechados que se relacionam com o terrorismo e as armas de destruição em massa ¿ nem sempre são uma tarefa de responsabilidade militar. Pressões econômicas, por exemplo, também podem servir como instrumento de ação. A segunda é a promoção da democracia e os ideais americanos do livre comércio e dos direitos humanos em todo o mundo, especialmente no mundo árabe. E a terceira, o menos citada geralmente, é o combate a doenças e a promoção do desenvolvimento, especialmente nos países mais pobres.

Mas pouco importa agora se os futuros presidente e vice-presidente conseguem identificar esses três elementos. O fato é que terão que conviver com eles de qualquer forma.

MICHAEL GERSON escreveu este artigo para o Washington Post