Título: Da boca para dentro
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 21/09/2008, Ciência, p. 47

Novas pesquisas relacionam boa saúde oral à prevenção de várias doenças

Antônio Marinho*

Imagine despejar todos os dias a maior parte de seu lixo no manancial de um rio. Com o tempo, lagos e fontes que recebem seu fluxo serão poluídos e podem morrer. É mais ou menos isso que ocorre ao negligenciarmos a higiene bucal. O acúmulo de bactérias em estruturas que envolvem os dentes causa inflamações e aumenta o risco de infecções em todo o corpo. Agora, novos estudos confirmam que cuidar da saúde oral protege contra infarto e derrame. Há quem afirme que a prevenção vai além. Pessoas que escovam mal os dentes e raramente visitam o dentista correm maior risco de cânceres, demência e até de parto prematuro.

O problema começa com o acúmulo de bactérias ao redor dos dentes, formando placas que atacam as gengivas e outras estruturas. Aos poucos, os germes invadem tecidos e produzem substâncias tóxicas que inflamam as gengivas (gengivite), e alguns chegam à corrente sangüínea. Daí pegam carona para o coração e outros órgãos. Em casos graves (periodontites), os tecidos de suporte são afetados ¿ com destruição de colágeno e de ligamentos ¿ , responsáveis por manter os dentes nos ossos. De 7% a 15% da população mundial sofrem desse mal.

¿ Mais pesquisas sugerem associação entre infecções orais e doenças sistêmicas ¿ diz a dentista americana Sally Cram.

Um exemplo é o estudo da Universidade de Bristol, de Howard Jenkinson. Na reunião da Sociedade Geral de Microbiologia, ele disse que centenas de cepas de bactérias vivem na boca e algumas entram no sangue. Isso pode causar problema cardíaco, mesmo em saudáveis. Elas produzem agrupamento de plaquetas, formando escudo contra o sistema imunológico e antibióticos.

Sem tratamento, risco de parto prematuro aumenta

Maurizio Tonetti, chefe da Divisão de Periodontologia da Universidade de Connecticut, investigou se um tratamento para anular a produção de bactérias e toxinas da boca seria benéfico em pacientes com aterosclerose. Os resultados foram animadores. Em artigo na revista ¿New England Journal of Medicine¿, ele mostrou que indivíduos submetidos por seis meses a intenso tratamento de doença das gengivas não apenas se livraram desse mal, mas melhoraram a função do endotélio (a camada interna dos vasos).

E pesquisa na Grã-Bretanha, com 366 gestantes, publicada no ¿Journal of Periodontology¿, indicou que o tratamento de infecção de tecidos da gengiva reduziu o índice de nascimentos prematuros em 84%. Segundo os autores, essa doença eleva a produção de prostaglandina, substância que pode induzir ao parto. As grávidas que receberam cuidados dentários antes da 35ª semana tiveram menor chance de dar à luz antes da hora. Em outro trabalho, na revista ¿The Lancet Oncology¿, autores associaram doenças das gengivas a maior chance de tumores de pulmão, fígado, rim e pâncreas, além de Alzheimer. Porém não souberam explicar essa relação.

¿ Dados apontam risco adicional de até 2,8 para infarto em pessoas com periodontites. Já encontraram traços de bactérias das gengivas em placa ateromatosa retirada em cirurgias. A forte resposta imune estimulada por periodontites parece ser o principal mecanismo na relação com doenças sistêmicas, como diabetes, artrite, a doença pulmonar obstrutiva crônica, úlceras, pneumonias, além de indução a parto prematuro e problema cardiovascular ¿ diz Luciano Oliveira, doutorando em periodontia pela Uerj e membro da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Mau hálito, retração e sangramento gengival podem ser os primeiros sinais, explica a dentista Cristiane Vivacqua. Ela diz que pessoas com gengivas doentes são duas vezes mais susceptíveis a queixas cardíacas.

¿ Doença periodontal pode piorar males cardíacos já existentes. Às vezes é necessária a profilaxia antes de tratamentos dentários, como uso de antibióticos. Isso é avaliado pelo dentista e médico ¿ alerta.

Já a dentista Flávia Rabello de Mattos, especialista em implantes, lembra que diabetes, síndrome de Down, doença de Crohn e Aids favorecem a periodontite:

¿ Habitualmente, doença da gengiva não causa dor, até que dentes se afrouxem ao mastigar ou se forme abcesso. Em fumantes, sinais iniciais são mascarados e eles só percebem o problema quando a perda óssea é grave. Sem tratamento, a perda óssea poderá ser de 1mm/ano.

* Com `The Washington Post¿ e agências de notícias

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