Título: Novos poderes
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 23/09/2008, Economia, p. 30

À medida em que os líderes mundiais chegam à combalida Nova York para a reunião da Organização das Nações Unidas (ONU), meu conselho é que observem o exemplo Damien Hirst. O artista britânico vendeu suas peças a investidores estrangeiros bem acima das estimativas quando o governo americano tenta socializar a economia com um pacote de US$700 bilhões, ou US$2 mil por cada pessoa no país.

É que a explosão de preços de Hirst - que vendeu 223 obras por mais de US$200 milhões - na semana mais tumultuada para os mercados financeiros desde 1929, nos diz algo sobre a perda da importância dos EUA na economia global.

Os russos foram identificados como os maiores compradores e uma série de lances prévios foi feita em Nova Déli. Sim, o dinheiro está em outro lugar. E o que ouvimos dos novos centros de riqueza e poder - China, Índia, Brasil, Rússia e estados do Golfo - sobre a agonia financeira na última semana? Nada.

Quer dizer, perguntado sobre a crise, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, questionou:

- Que crise? Vai perguntar para o Bush.

O Brasil está sentado em reservas de US$208 bilhões, então talvez Lula acredite que sua irreverência é justificada. Mas não acho. Na crise financeira de 1998, lideranças russas correram para o Tesouro americano para garantir apoio para empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O mundo mudou na última década. Houve uma transferência de riqueza dos EUA, mas não houve transferência de responsabilidade. Novos poderes agem livremente como se ainda estivéssemos no século americano. Não é. Esta é uma crise americana criada pela busca de novos instrumentos financeiros em uma era em que a crença tem sido de que o governo é burro e o mercado é inteligente e não existe risco. A responsabilidade é certamente americana, mas hipotecas foram largamente vendidas por bancos estrangeiros.

Eu sei, você colhe o que planta. Ninguém se mexe para ajudar a administração de Bush. Bancos centrais se uniram para injetar dinheiro no mercado financeiro, mas os EUA têm estado sozinhos. É hora de uma transferência de responsabilidade. Podemos chamar isto de choque de realidade de Hirst. Se ele pode vender um carneiro com chifres de ouro por milhões enquanto o Lehman Brothers vai à falência, talvez seja hora de todos ajudarem um pouco quando os americanos são depenados.

ROGER COHEN é colunista do "New York Times"