Título: Fomos criticados pelo pessimismo
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 23/09/2008, Economia, p. 30

Estes são tempos excepcionais. Excepcionais pelo que aconteceu ao mercado financeiro, no que só pode ser descrito como um "derretimento". E excepcionais pelo que não aconteceu - pelo menos ainda não - à economia como um todo: o início de uma severa recessão. Talvez tenha sido a ausência desse último ponto que confundiu tantas pessoas em enxergar no estouro da bolha imobiliária apenas uma correção, nos calotes em hipotecas de subprime americanas apenas como uma infelicidade e na falência de várias instituições financeiras apenas como um dano colateral.

Seis meses atrás, quando o FMI estimou que os prejuízos do setor financeiro passariam de um trilhão de dólares e também previu queda aguda no ritmo da economia global, fomos criticados por sermos muito pessimistas. Mas, com muitas das perdas ainda a serem contabilizadas e com a crise financeira no seu ponto agudo, está claro que precisamos de aumento na liquidez; compra de ativos sob risco de calote e injeção de capital nas instituições financeiras.

O Banco Central deve impedir as corridas aos bancos e instituições financeiras. Ele pode fazer isso tranqüilizando os clientes de que os seus bancos são seguros e abrindo linhas de financiamento para as instituições. Outro ponto seria o Tesouro remover o motivo original das corridas aos bancos, ou seja, a presença de papéis podres nos balanços das instituições financeiras. A experiência internacional mostra que uma forma eficiente de fazer isso é montar uma agência governamental que compre esses ativos e os mantenha em poder estatal até que eles amadureçam e possam ser revendidos sem risco. Um ponto chave nessa operação será o preço que esses ativos serão vendidos: alto o suficiente para que as instituições financeiras queiram vender, mas baixo o suficiente para que o Estado tenha uma chance de retorno no futuro e que a operação não afete as finanças públicas no longo prazo. E, por fim, o sistema financeiro precisa ser recapitalizado. E, provavelmente, com apoio público.

No coração dessa crise está o fato de que o sistema financeiro como um todo tem pouco capital. Mesmo com o sistema encolhendo e se desfazendo dos ativos podres, muitas instituições não terão capital suficiente para abrir novas linhas de empréstimo. É possível ao Estado providenciar capital aos bancos em maneiras que não impliquem na nacionalização dos bancos. Por exemplo: muitos membros do FMI em situações similares no passado trocaram injeção de capital por ações preferenciais, de modo que mesmo depois das operações, o controle bancário continuou nas mãos privadas.

Uma questão óbvia agora é o custo fiscal. A outra é a da regulação. Essa crise é o resultado de uma falência do sistema regulatório para evitar riscos excessivos, especialmente nos EUA. Temos que ter certeza que isso não vai acontecer de novo. As nações industrializadas já preparam recomendações para regulações mais cautelosas, regras de fiscalização e maior transparência no sistema financeiro. As agências de crédito, no qual o mundo financeiro confiava, terão que ter o seu papel revisto, e terão que sofrer fiscalização pública. No mundo globalizado, todos esses esforços devem ser de efeito geral para darem resultado.

Vigilância, objetividade e colaboração em escala global serão necessárias para lidar com os desafios à frente. Minha esperança é que na reunião dos ministros da Fazenda e presidentes de Banco Central, em Washington, no mês que vem, para a reunião anual do FMI, seja possível criar um diálogo global para que os países consigam tirar lições dessa reviravolta na arquitetura do sistema financeiro internacional.

* É diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI)