Título: Vozes contra a impunidade
Autor: Martins, Marília; Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 24/09/2008, Economia, p. 23

ABALO GLOBAL

Lula e Sarkozy, na ONU, criticam governo dos EUA e pedem punição de culpados

Marília Martins e Deborah Berlinck

A3ª Assembléia-geral da ONU, em Nova York, foi palco de discursos em que líderes políticos cobraram uma ação mais enérgica e global contra a crise e pediram punição aos culpados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse decepcionado com o discurso do colega George W. Bush, que enfatizou a luta contra o terrorismo e fez uma ligeira menção à crise financeira. Lula chamou de "nacionalismo populista" a política econômica dos EUA para a crise e criticou os que usam a expressão referindo-se aos países do "Sul do mundo" - sem fazer menção direta às críticas aos presidentes da Bolívia, Evo Morales, e da Venezuela, Hugo Chávez. O presidente da França, Nicolas Sarkozy - que até dezembro chefia o Conselho Europeu, órgão máximo da União Européia -, chamou o sistema capitalista atual de "maluco", defendeu um modelo "regulado" e pediu punição dos que "colocam em perigo o dinheiro dos poupadores".

- Foi uma decepção (o discurso de Bush). Lamentei porque imaginei que Bush, já que era a última aparição dele na ONU, faria um discurso falando da crise e dizendo o que o governo americano pretende fazer. Mas ele fez a opção por voltar a falar de terrorismo e eu, como sou defensor da autodeterminação dos povos e da soberania dos discursos dos presidentes, fui obrigado, então, a ficar quieto.

Bush mencionou a crise somente no fim do discurso:

- Posso assegurar que minha administração e nosso Congresso estão trabalhando juntos. Confio que atuaremos com a urgência necessária.

ONU quer liderança mundial contra crise

Lula falou depois do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon:

- O muro de Berlim caiu, mas é triste constatar que outros foram se construindo. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres com argumentos nacionalistas e até racistas que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados. Um suposto nacionalismo populista, que alguns pretendem identificar e criticar no sul do mundo, é praticado sem constrangimento nos países ricos - afirmou Lula.

Lula enfatizou a necessidade de reforçar organismos econômicos supranacionais e pediu uma ação conjunta para evitar que as perdas atinjam os países em desenvolvimento.

- A euforia dos especuladores se transformou em angústia dos povos, após a sucessão de naufrágios financeiros. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos de especuladores. Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas. Os organismos econômicos supranacionais carecem de autoridade e de instrumentos práticos para coibir a anarquia especulativa. Devemos reconstruí-los - disse Lula. - As indispensáveis intervenções do Estado mostram que é chegada a hora da política.

O presidente brasileiro citou o economista Celso Furtado para dizer que é inadmissível que "os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas".

Sarkozy propôs convocar o G-8 - o grupo dos sete países mais ricos e a Rússia - para uma reunião em novembro, para pensar num mecanismo que evite novo cataclisma:

- Quem é responsável por esse desastre? Os responsáveis devem ser punidos e prestar contas.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, abriu a assembléia pedindo que se construa "uma liderança mundial", para enfrentar crises. Ele alertou que a crise pode comprometer o financiamento do desenvolvimento e as Metas do Milênio:

- Existe o perigo de ver o mundo recuar em relação a avanços conseguidos, especialmente no domínio do desenvolvimento e da partilha equitativa dos frutos do crescimento. O desafio é o da cooperação, em detrimento da confrontação.

Para a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, os EUA traíram seus princípios de livre mercado com uma atitude intervencionista:

- Dizem aos países da América do Sul que o mercado tudo soluciona. Mas produzem a intervenção estatal mais memorável da História.

Lula enfatizou a importância de uma reunião do Conselho Econômico e Social da ONU com ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais. Hoje, Lula tem reunião de cúpula, pedida pelo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, para traçar estratégia para restabelecer a confiança dos mercados. Participarão os primeiro-ministros da China, Wen Jiabao, da Índia, Manmohan Singh, entre outros.

Em discurso no Senado, o senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) criticou as falhas dos EUA.

- Os EUA falharam na regulamentação. Se o capitalismo quer sobreviver, não pode fazer aquilo que o comunismo fez, que foi se tornar um dogma - disse Sarney. - Tem de ser sempre regulada e vigiada para que o objetivo central do capitalismo, que é o lucro, não seja exacerbado.

COLABOROU Gustavo Paul, de Brasília (com agências internacionais)