Título: `TENHO DIFICULDADE DE ESCREVER SEM COLAR DO QUADRO
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 25/09/2008, O País, p. 3

RECIFE e TERESINA. Aos 10 anos, Jones Alves Gomes da Silva acumula cinco de estudo e já está na terceira escola pública, mas até hoje permanece analfabeto. O menino recifense só escreve e lê o seu primeiro nome, mesmo assim com dificuldade. Jones, aluno da primeira série do turno da manhã do Colégio Nossa Senhora do Pilar, diz que sente uma tristeza muito grande por não saber ler e que tem muita vontade de aprender. Diante do fracasso na escola, culpa a própria infância:

¿ Acho que brinco muito, jogo muita bola ¿ justifica, para em seguida emendar: ¿ Eu penso também que os professores não me ensinam direito.

Ontem, por exemplo, Jones não teve aula, conta o pai, o ambulante Ivan Gomes da Silva, de 55 anos, que vende roupas em uma esquina próxima ao Mercado São José, um dos recantos mais populares do Centro de Recife.

Ivan diz acreditar que não adiantaria trocar o menino de escola de novo, já que os outros filhos tiveram as mesmas dificuldades que Jones enfrenta hoje. Um deles, Samuel Gonçalves da Silva, cursa o segundo ano do Segundo Grau e só aprendeu a ler aos 8.

Em Teresina, Maria Clara Sousa Silva, de 8 anos, tenta ler corretamente uma parlenda, que diz: ¿A galinha pintadinha e o galo carijó. A galinha veste saia e o galo paletó¿, acompanhada da pedagoga Gleina Mendes Leal, especializada em Orientação Educacional e Supervisão na Escola Municipal Professor Benjamin Soares de Carvalho, no bairro Redenção, na Zona Sul.

Angustiada, a mãe de Maria Clara, a zeladora Dagone Oliveira Sousa, conta que sua filha está matriculada no segundo ano do ensino fundamental, fez alfabetização e está na escola ¿desde pequenininha¿, mas ainda ¿não sabe ler e escrever como uma menina de sua idade¿.

¿ Eu acho que ela é muito desatenta, mesmo dentro de casa. Um dia desses, ela estava colando um papel e ficou procurando a tampa da cola, que estava na mão dela. Acho que isso também ocorre na escola ¿ diz Dagone.

Até o fim do ano passado, Maria Clara não sabia nem copiar as palavras escritas no quadro. Os professores alertaram os pais e recomendaram um psicólogo. Quando tudo estava sendo encaminhado, os pais, em busca de emprego, mudaram de bairro. Maria Clara foi obrigada a trocar de escola e a consulta psicológica ficou de lado.

¿ Sempre quis ler e escrever bem, mas era muito desatenta, não ficava quieta, falava muito na sala de aula. Nessa escola em que estou agora, fico mais calma e escuto tudo ¿ disse Maria Clara, que, com notas baixas em português e matemática, reconhece ter dificuldades para produzir textos: ¿ Tenho dificuldade de escrever quando não é colando do quadro.

A pedagoga Gleina Leal disse que não há nada de anormal com Maria Clara. Acredita que, quando os professores perceberam as dificuldades, deveriam ter sugerido que ela fosse acompanhada em aulas de reforço escolar.

¿ Ela está evoluindo e não faz mais a leitura silábica. Não tem ainda fluidez na leitura e tem problemas de ordenar frases, mas isso tudo pode ser resolvido. Os alunos do segundo ano do Ensino Fundamental já devem saber lei, interpretar e produzir textos com início, meio e fim, além de coerência. Também já devem trabalhar com gêneros literários diferentes, não é o que acontece com Maria Clara, mas ela pode conseguir ¿ afirmou.