Título: Dobra número de casais sem filhos, os `dinks¿
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 25/09/2008, O País, p. 8

Sigla em inglês, que significa `dupla renda e nenhuma criança¿, traduz opção feita hoje em 1,94 milhão de domicílios

Cássia Almeida

Em dez anos, as famílias brasileiras mudaram de cara. E a lista de arranjos vai crescendo. Nessa tendência, os casais sem filhos em que ambos trabalham começam a ganhar espaço na estrutura familiar brasileira. Em 1997, eles eram 997 mil. Em 2007, esse número pulou para 1,94 milhão, ou seja, praticamente dobrou, como mostrou a Síntese de Indicadores Sociais, divulgada ontem pelo IBGE.

Chamados de dinks, que significa em inglês double income and no kids, ou seja, dupla renda e nenhuma criança, esses casais despontaram nos Estados Unidos no começo dos anos 90. Por opção, privilegiam a carreira e o lazer. Por isso, são um fenômeno da classe média. Essas famílias no Brasil têm renda domiciliar per capita de 3,4 salários mínimos, R$1.292 em setembro do ano passado, quando os pesquisados foram atrás dos dados. O dobro dos R$642,70 da média das famílias.

¿ Está crescendo esse tipo de arranjo, típica de sociedade industrializada. Esse novo modelo está cada vez mais presente, principalmente na faixa de até 34 anos ¿ disse Ana Saboia, coordenadora-geral da Síntese de Indicadores.

Decisão de não ter filhos ainda causa estranheza

O consultor Ricardo Aldana, de 37 anos, e a mulher Simone, de 30 anos, analista de qualidade, resolveram não ter filhos. Depois de enfrentar a resistência dos pais, ainda sofrem com a estranheza da sociedade diante dessa escolha. Com renda entre R$6 mil e R$7 mil, ambos têm curso superior.

¿ As pessoas nos olham abismadas quando falamos isso. Adoramos crianças, mas não vemos uma criança na nossa realidade. Trabalhamos e viajamos muito. No nosso dia-a-dia, criar um filho seria muito difícil. É uma decisão irreversível ¿ diz Ricardo Aldana.

A reação é grande. A decisão de Aldana de fazer vasectomia esbarrou na resistência do médico. Essa reação é natural, na opinião da socióloga Elisabete Dória Bilac, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp. Qualquer arranjo familiar diferente acaba enfrentando oposição no primeiro momento:

¿ As pessoas têm dificuldade de lidar com a diferença.

Ricardo e Simone são o casal típico desse conceito sociológico. Mas há outros motivos para estar nessa condição, como o adiamento da maternidade. Nesse grupo entram Hedlane de Araújo Barbosa Lima, de 33 anos, e Genildo Dias, de 30. Eles optaram por investir pesado no trabalho para, então, pensar em filhos.

Casal decide privilegiar carreira e formar patrimônio

Donos de três empresas, duas de vendas de instrumentos musicais e outra de locação de equipamentos audiovisuais, Hedlane e Genildo se dedicam até 14 horas por dia ao comando dos negócios. A renda mensal média da família é superior a R$10 mil, e um bom patrimônio já está assegurado por causa das empresas, que já existem há cerca de oito anos. Mas a intenção do casal é melhorar ainda mais a condição financeira para dar todo o conforto aos herdeiros.

¿ Nós queremos ter filhos, mas ainda não aconteceu por falta de tempo. Dá muito trabalho e é difícil conciliar com a profissão, principalmente para quem administra negócios. Mas nosso desejo é ter dois filhos ¿ explica Hedlane, que tem formação superior incompleta em administração e marketing.

Além do adiamento da gravidez, há outros fatores por trás da formação desses casais, na opinião de Elisabete. Um dos principais é o financeiro.

¿ Para a classe média, que tem dificuldade de usar os serviços públicos de saúde e educação, fica muito caro criar um filho. A família tem de trabalhar muito, e isso acaba desestimulando a decisão de ter filhos.

Ana Saboia, do IBGE, ressalta a questão da carreira. O tempo para o aprimoramento profissional também entra nessa conta.