Título: Crise atravessa o Atlântico e chega à Europa
Autor:
Fonte: O Globo, 26/09/2008, Economia, p. 29

Sarkozy diz que crescimento econômico será afetado; ministro alemão prevê que "mundo nunca mais será o mesmo"

PARIS, BERLIM e DUBLIN. A crise financeira iniciada nos Estados Unidos enfim atravessou o Atlântico, mas o presidente Luiz Inácio da Silva não precisa se preocupar: ela chegou à Europa. Ontem, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que o mundo passou muito perto de uma situação catastrófica por causa da crise financeira, que "ainda não acabou" e que afetará o crescimento econômico, o emprego e o poder aquisitivo.

- Passamos a dois dedos da catástrofe - alertou Sarkozy.

O tom de pessimismo foi compartilhado pelo ministro das Finanças da Alemanha, Peer Steinbruek. Para ele, a crise deixará "marcas profundas" nos dois lados do Atlântico:

- O mundo nunca mais será o mesmo. Os EUA vão perder seu status de superpotência financeira, e o sistema se tornará mais multipolar - disse o ministro na Câmara Baixa do Parlamento.

Os dados do Produto Interno Bruto (PIB, a soma dos bens e produtos do país) da Irlanda divulgados ontem confirmam que o país é a primeira economia da zona do euro a entrar em recessão. Houve queda de 0,5% do PIB entre abril e junho, na comparação com o trimestre anterior, quando encolheu 0,3%. Em relação ao segundo trimestre de 2007, a economia irlandesa diminuiu 0,8%.

A definição técnica de recessão são dois trimestres consecutivos ou mais de crescimento econômico negativo. É a primeira vez que o país - que vinha registrando forte crescimento da economia nos últimos anos - entra em recessão desde 1983.

A Irlanda chegou a alcançar quase o pleno emprego e registrar taxas de crescimento do PIB perto de 10%, o que levou o país a ser conhecido como o tigre celta. A previsão da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é que o PIB da Irlanda cresça apenas 1,5% em 2008, ante uma expansão de 4% no ano passado.

Outros países europeus podem seguir Irlanda

O colapso do setor de moradias, aliado à crise mundial de crédito, forçou o governo irlandês a reduzir os gastos para manter o seu déficit sob controle e causou uma queda do índice de referência da bolsa este ano maior que as registradas nas demais economias da Europa Ocidental.

O declínio da Irlanda pode ser seguido de diversas recessões por toda a Europa, segundo a Comissão Européia, que cortou sua previsão de crescimento econômico para toda a zona do euro.

Outras três grandes economias européias - Alemanha, Itália e França - já registraram recuo no PIB no segundo trimestre do ano, na comparação com o trimestre anterior.

"A Itália parece ser a próxima candidata a entrar em recessão. A Alemanha também está surgindo como uma grande candidata", disse em uma nota Julian Callow, economista do Barclays Capital.

Sarkozy garante sistema financeiro francês

O presidente da França defendeu uma revisão do sistema financeiro e monetário mundial, em uma posição semelhante à da chanceler alemã, Angela Merkel, que sugeriu que os chefes de Estado dos países mais afetados pela crise se reúnam para coordenar esforços para restabelecer a confiança nos mercados.

Em discurso para milhares de pessoas na cidade francesa de Toulon e que despertou grande expectativa no país, Sarkozy prometeu que o Estado garantirá o sistema financeiro francês. Ele voltou a sugerir, como já havia feito durante a Assembléia da ONU esta semana em Nova York, que os responsáveis pela crise sejam punidos, pelo menos financeiramente, porque "a impunidade é imoral".

- Não podemos nos contentar com que acionistas, clientes e assalariados mais modestos paguem a conta, eximindo os principais responsáveis.

Para o ministro alemão de Finanças, o mundo não será mais capaz de resolver seus problemas financeiros sem a participação de países como a China e a Rússia.

Ele esclareceu que não prevê o fim do dólar como a moeda líder nas reservas mundiais, mas sim o surgimento de outros atores no mercado financeiro global.

Steinbrueck, cujos esforços para conseguir mais transparência dos hedge funds (espécie de fundos multimercado) no ano passado fracassaram em meio a divergências com EUA e Grã-Bretanha, atacou o que chamou de busca anglo-saxônica por lucros de dois dígitos e enormes bônus para banqueiros e executivos de empresas.