Título: Para escapar do júri popular, uma prefeitura
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 27/09/2008, O País, p. 8

Prefeito de Unaí, denunciado por chacina, tenta reeleição: desta vez fora das grades, mas ainda com foro privilegiado

Evandro Éboli

UNAÍ (MG). Denunciado pelo Ministério Público como um dos mandantes da morte de três auditores fiscais e de um motorista do Ministério do Trabalho ¿ caso que ficou conhecido como a chacina de Unaí ¿, o fazendeiro Antério Mânica (PSDB) pode repetir 2004 e, ainda sem ser julgado, ser reeleito prefeito da cidade.

Diferentemente de quatro anos atrás, quando ganhou a eleição da cadeia ¿ ele estava preso em Belo Horizonte ¿, Antério faz campanha tranqüilamente pelas ruas de Unaí, todo risonho, distribuindo abraços, sempre acompanhado de cabos eleitorais com bandeirinhas. E seguro da vitória, já que não é cobrado nem pelos adversários na disputa.

¿O juiz conseguiu o que queria: aparecer¿

A morte dos fiscais, vítimas de uma emboscada, ocorreu em 28 de janeiro de 2004. Três meses depois, a Polícia Federal e o MP apontaram Antério como um dos responsáveis. Eleito em outubro, ele ganhou foro especial (o Tribunal Regional Federal) e, por conta de uma série de recursos, ainda não foi a julgamento. Se for derrotado nas urnas, ele perderá o privilégio e será submetido a júri popular, como os outros oito envolvidos. É tudo o que ele não quer.

¿ Não temo o júri popular. Posso recorrer se sofrer alguma injustiça. O que não posso é correr o risco de apodrecer na cadeia. No tribunal em Brasília há menos possibilidade de erro, é um julgamento mais técnico ¿ diz Antério, referindo-se ao TRF/1º Região, onde seu caso está parado.

Antério jura inocência e se diz vítima de complô da imprensa. Chega a ironizar o juiz Francisco Assis Betti, que ordenou sua prisão:

¿ Essa acusação é uma aberração. Minha culpa é zero, é zero! O juiz conseguiu o que queria: aparecer.

A campanha de Antério este ano é bem diferente de quando foi eleito. Sob o impacto da chacina, que repercutiu até no exterior, o fazendeiro posou de vítima e conseguiu se eleger com 70% dos votos. Seus opositores exploraram ao máximo o episódio, mas o tiro saiu pela culatra. Nas ruas, a população circulava com o adesivo: ¿Estou solidário com a família Mânica¿.

Pelo menos na campanha, Antério nem precisa se defender da acusação. Os dois candidatos que disputam com ele a prefeitura evitam tocar no assunto. Cauteloso, o adversário José Braz (PMDB), também fazendeiro, prefere atacar os quatro anos da gestão de Antério:

¿ Se a população entendeu que ele não tem culpa, e o elegeu na cadeia... Quanto mais se batia nele, mais voto ganhava. É melhor deixar quieta essa história. Vamos esperar a Justiça se pronunciar. A cidade foi abandonada nos últimos quatro anos. Há carência em todas as áreas: saúde, educação, segurança pública.

O outro candidato, Valdivino Guimarães (PRB), de 28 anos, é dono de uma imobiliária e tem o PT na chapa. Aparece com menos chances e também evita citar a chacina de Unaí nos como arma para tentar derrubar o favoritismo de Antério.

¿ Foi um episódio que manchou o nome da cidade. Repercutiu muito mal, mas é preciso esperar a Justiça. Em 2004 a oposição tripudiou e o povo, de forma emotiva, tomou as dores do Antério. Diria que houve uma febre anteriana (sic) ¿ disse Valdivino.

Uma pesquisa encomendada pelo próprio Antério ao Ibope o aponta como vencedor, com 54% das intenções dos votos. Braz terminaria em segundo, com 23%, e Valdivino em terceiro, com 5%. Unaí tem cerca de 55 mil eleitores. A pesquisa, segundo ele, foi registrada na Justiça eleitoral.

Patrimônio declarado de cerca de R$20 milhões

Os ataques ao suposto envolvimento de Antério na chacina partem apenas de outro lado, o dos familiares dos mortos. A comerciante Elba Soares da Silva, viúva do fiscal Nelson José da Silva, diz que não tem mais vida social desde o crime. Ela faz campanha contra a reeleição do fazendeiro e, quando o encontra na rua, não se controla:

¿ Fico revoltada, grito, chamo de bandido. Dá vontade de bater na cara dele. Não entendo por que ele está impune até hoje. Por ser um grande latifundiário e ter muito dinheiro, tenho receio de que convença os juízes em Brasília. Num júri popular, há muito mais pressão.

Maior produtor de feijão do país, Antério está entre os candidatos a prefeito mais ricos do Brasil. Ele declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de cerca de R$20 milhões. O fazendeiro contou que evita confronto com Elba quando a encontra na rua:

¿ O advogado me orientou a não bater boca nem nada. Nem passo perto, dobro a esquina.

oglobo.com.br/pais