Título: Barbeiragem financeira
Autor: Frisch,Felipe
Fonte: O Globo, 27/09/2008, Economia, p. 33

ABALO GLOBAL

Ações de Sadia e Aracruz despencam após anúncio de perdas com apostas no mercado futuro

Felipe Frisch

Parte do mercado internacional de ações se recuperou ontem, mas a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve mais um dia de queda, a segunda pior entre as principais bolsas do mundo. O índice mais importante da Bolsa, o Ibovespa, fechou em queda de 2,02%, aos 50.782 pontos, dessa vez puxado por temores de novas perdas de exportadoras com o impacto da alta recente do dólar em operações no mercado financeiro. O medo teve origem no prejuízo milionário anunciado pela Sadia no fim da tarde de quinta-feira: R$760 milhões em contratos no mercado futuro de câmbio. Às 23h30min do mesmo dia, a Aracruz Celulose enviou a acionistas e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um comunicado semelhante, informando perdas no mercado de câmbio acima dos limites previstos na política da própria empresa. A companhia, no entanto, não informou o montante e disse que contratou consultoria para levantar o valor. Mas avaliou que o dinheiro em caixa atualmente, cerca de US$500 milhões, deve cobrir as perdas.

As ações PNA (sem direito a voto) da Vale chegaram a despencar 5,86% no dia, mas o recuo desacelerou para 3,71% depois que a mineradora negou, em comunicado, perdas com as variações recentes do câmbio. Outras empresas seguiram o mesmo caminho para amenizar a desvalorização de suas ações e houve uma enxurrada de comunicados: Marfrig, Klabin, Cosan, Marcopolo, Minerva, SLC Agrícola, InvestTur, PDG Realty e a Perdigão, concorrente direta da Sadia, cujas ações chegaram a cair 10,88% no dia, fechando em queda de 5,74%. As empresas exportadoras têm peso de 53,42% na composição do Ibovespa, que reúne os papéis mais negociados.

Sadia teve recorde de negócios na véspera

No dia do anúncio oficial - feito após o fechamento do mercado de quinta-feira - o número de negócios com ações da Sadia bateu o recorde histórico de 6.861 transações. A média recente no mês, já elevada, era de 2.879 negócios por dia. A diferença acendeu o alerta para a possibilidade de alguns investidores terem se beneficiado de informação privilegiada - o que é ilegal -, ao saber dos prejuízos antes e do anúncio que seria feito. Assim, teriam podido vender suas ações antes e evitar maiores perdas como a de ontem, quando as ações da empresa chegaram a cair 37,42% (fecharam com queda de 35,48%).

A corretora Concórdia, controlada pela própria Sadia, foi a segunda a mais operar com os papéis da empresa nas últimas duas semanas. Em volume de negócios na Bovespa, a corretora está próxima da 30ª colocação atualmente. A CVM informou que a sua Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários está analisando o comportamento das ações da Sadia e da Aracruz, como é de rotina nesses casos. A Sadia informou que não vai comentar o caso.

Após o anúncio das perdas, duas agências de classificação de risco reduziram a nota da Sadia, espécie de avaliação do risco de uma empresa não honrar suas dívidas. A Moody"s rebaixou de "Ba2" para "Ba3"e a Standard & Poor"s (S&P) manteve a nota "BB+", mas colocou em perspectiva negativa (ou seja, pode ser reduzida no prazo de 18 meses). Analistas lembram que a perda reconhecida pela Sadia mais do que supera o lucro do seu primeiro semestre inteiro, de R$335 milhões.

O dólar manteve sua trajetória de alta ontem. Subiu 1,59%, para R$1,851, mesmo com o leilão de venda de moeda realizado ontem pelo Banco Central (BC). A autoridade monetária vendeu US$500 milhões de uma só vez, a R$1,848, para entrega em 30 de setembro. Esses mesmos US$500 milhões serão recomprados por R$1,883 pela instituição daqui a 80 dias. Para Fábio Susteras, economista do private banking do Banco Real, o mercado financeiro já abriu pessimista ontem nos Estados Unidos com a expectativa de que não saia um acordo sobre o pacote de ajuda às instituições financeiras com problema devido à crise do mercado de hipotecas. No entanto, a perspectiva de um acordo sair durante o fim de semana reanimou o mercado e o índice Dow Jones fechou com alta de 1,10% e o S&P 500, de 0,34%. O eletrônico Nasdaq fechou em queda leve, de 0,15%. Entre as maiores bolsas do mundo, só a Bolsa de Londres teve queda maior que a Bovespa: 2,09%. Em Frankfurt, o recuo foi de 1,77% e em Paris, de 1,5%. Na Ásia, a Bolsa de Tóquio caiu 0,94% e a de Xangai, 0,16%.

- Deve acontecer algum acordo neste fim de semana. Isso faz com que as bolsas lá fora dêem uma respirada. Os republicanos estão jogando para a platéia - disse Susteras.