Título: Nova versão mantém essência do plano original
Autor: Sotero, Paulo
Fonte: O Globo, 29/09/2008, Economia, p. 19

Concessões simbólicas feitas a republicanos e democratas viabilizaram apoio à proposta do Tesouro americano

Paulo Sotero

WASHINGTON. O pacote de US$700 bilhões é, em sua essência, o mesmo que a administração Bush apresentou na semana passada e que seus correligionários republicanos tentaram torpedear, como um atentado ao capitalismo, numa frustrada tentativa de obter dividendos políticos da crise que pode lhes custar a Casa Branca.

Atentado ao capitalismo o plano definitivamente não é, lembrou ontem Robert J. Shiller, professor de Economia da Universidade de Yale, em artigo publicado no ¿Washington Post¿. Autor de dois livros nos quais previu o colapso de Wall Street, Shiller advertiu contra as análises definitivas que retrataram a crise como o fim do capitalismo americano. Ele lembrou que as intervenções na economia dos Estados Unidos são tão antigas quanto o país e previu que, com sorte, a operação de socorro de Washington abrirá o caminho para uma evolução do capitalismo americano rumo ao que chamou de ¿uma robusta democracia financeira¿.

Numa ação inédita, projeto é publicado na internet

Esteja Shiller certo ou não, as negociações parecem ter produzido concessões largamente simbólicas e suficientes para garantir o apoio de parlamentares dos dois partidos a um plano que foi pessimamente recebido entre eleitores democratas e republicanos, e só está sendo considerado por medo de que haverá uma catástrofe em Wall Street e a economia entrará em parafuso se o Congresso deixar de agir imediatamente. Uma preocupação reconhecida pelos líderes do Congresso foi ter o pacote pronto para ser votado antes da abertura dos mercados na Ásia, na noite de ontem, no horário de Washington. O plano ¿não é só para Wall Street¿, justificou o senador Kent Konrad, democrata de North Dakota. ¿O presidente do Federal Reserve (o banco central americano, Ben Bernanke) disse-nos que se o crédito continuar trancado, três a quatro milhões de americanos perderão seus empregos nos próximos seis meses¿.

Numa concessão importante para os republicanos, a proposta contém uma cláusula que dá ao Departamento do Tesouro a opção de garantir instrumentos financeiros problemáticos em lugar de comprá-los, de forma a reduzir o montante inicial de dinheiro público a ser desembolsado. Atendendo aos democratas, o plano prevê que, se o pacote produzir perdas ao erário num prazo de cinco anos, o que é impossível saber ou estimar, estas serão cobertas pela cobrança de uma taxa das empresas financeiras. Também por insistência dos democratas , o pacote contempla a imposição de restrições ¿razoáveis¿ aos salários de altos executivos de empresas financeiras, a serem feitas pela limitação de deduções de impostos a firmas que lhes pagam mais de US$500 mil anuais.

Para contentar os dois lados, o plano prevê também que os desembolsos serão feitos em três parcelas. O parcelamento do desembolso é, no entanto, cosmético, pois a velocidade com que os recursos serão usados dependerá em grande medida da reação do mercado.

Num cuidado especial e inédito, calculado para repartir o ônus político de sua aprovação às vésperas de uma eleição na qual estão em jogo, além da Presidência, os mandatos de 435 deputados e de um terço dos cem senadores, a presidente da Câmara, a deputada democrata Nancy Pelosi, mandou publicar o projeto de lei na internet. A expectativa de o Capitólio ser atingido por um dilúvio de e-mails de desaprovação ao texto mantinha dúvidas no ar ontem sobre o voto de vários congressistas que não têm a reeleição assegurada por antecipação. Eles são aproximadamente um terço no total, na Câmara de Representantes. No sentido oposto, esperava-se que uma reação positiva do mercado ao pacote garantisse sua aprovação.

Pesquisas dizem que foco na economia favorece Obama

Não se descartava, por outro lado, a possibilidade de John McCain tentar novamente se distanciar da proposta, como tentou fazer na quarta-feira passada, anunciando a suspensão de sua campanha, depois que os líderes dos dois partidos anunciaram um acordo em princípio sobre o pacote. As tendências das pesquisas confirmaram nos últimos dias que o novo foco da campanha na economia favorece Obama e complica as chances do candidato republicano. Ironicamente, para McCain, o melhor cenário parece ser que o Congresso aprove o socorro a Wall Street e que ele produza uma rápida reativação do mercado financeiro, diminuindo um pouco a enorme preocupação dos eleitores americanos com a economia até o pleito de 4 de novembro.