Título: Queremos discutir a própria missão do FMI
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 29/09/2008, Economia, p. 19

Para o ministro Celso Amorim, este é um bom momento para o Brasil e demais países do Bric serem ouvidos

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acredita que a crise econômica criou um sentimento de urgência para debater a reforma do FMI e do Banco Mundial. Ele saiu otimista do encontro com seus colegas do Bric, o grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, e com esperança de que a Rodada de Doha sobre liberalização do comércio mundial seja concluída até o fim de 2008, com uma nova proposta para a Índia aderir.

Marília Martins

Qual a estratégia para enfrentar a crise?

CELSO AMORIM: Vamos atuar em várias frentes. Uma das prioridades é a reunião do G-20 do Fundo Monetário Internacional, as 20 maiores economias do mundo. Agora não queremos discutir apenas cotas ou votos, saber quem vai votar mais, ou como serão concedidos os empréstimos. Nós queremos discutir a própria missão do FMI. Quando foi criado, o FMI tinha como missão acompanhar a política macroeconômica das nações desenvolvidas. Com o tempo, foi virando um fiscal dos países em desenvolvimento. Agora, é preciso que o FMI volte a ter a sua missão original.

O presidente Lula quer a ONU?

AMORIM: Outra frente importante é a reativação do Conselho Econômico e Social da ONU, o Ecosoc. O presidente Lula foi muito enfático ao pedir ao secretário-geral Ban Ki-Moon a convocação de reunião extraordinária do Ecosoc. É importante que um órgão multilateral da ONU esteja envolvido nesta discussão da crise econômica. É preciso ter uma visão global e debater num grande fórum internacional. Depois, na hora de tomar medidas concretas, entram o FMI e o Banco Mundial. E há um terceiro caminho, que é um encontro extraordinário entre os países interessados, hipótese aventada pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. Para nós, o ideal seria fazer um encontro de cúpula para tomar as medidas necessárias.

É possível ter uma posição comum aos países do Bric para enfrentar a crise?

AMORIM: Acho que isso vai se formando aos poucos. Temos preocupações comuns, e os países do Bric são apontados como o esteio do crescimento econômico mundial. É um bom momento para ter nossa voz ouvida. O G-7 foi criado com o objetivo de debater a economia mundial. Agora, o G-7 tem que ser ampliado, porque há outras economias cujo dinamismo é hoje fundamental. Nós estamos num momento parecido com o que inspirou a criação do G-7, há 30 anos, só que agora temos que ter mais de sete à mesa.

E o que significou o encontro do presidente Lula com os primeiros-ministros de Grã-Bretanha, Espanha, Dinamarca e Austrália e presidentes de União Européia e União Africana?

AMORIM: Foi importante porque mostrou que o Brasil está ocupando o status que sempre deveria ter tido. A economia cresce, a democracia se consolida, a grande mazela brasileira que era a falta de distribuição de renda está sendo reduzida, então a política externa ganha repercussão. Hoje transitamos em diferentes grupos.

O pacote do governo Bush é positivo?

AMORIM: O que o presidente Bush está fazendo está na direção certa. É importante limpar esta operação especulativa e ao mesmo tempo manter o crédito. Noutras palavras: o remédio não pode ser tão duro a ponto de matar o doente. As medidas visam a salvar o sistema bancário e permitir que ele continue funcionando. Mas que tipo de regulação deveria ter havido antes para impedir a crise? Como podemos impedir que haja esse nível de fragilidade e de especulação no futuro? Esta é a discussão fundamental.

O Brasil pode ter de ampliar seu crédito no FMI e no Banco Mundial em caso de escassez de crédito internacional para financiar empresas brasileiras?

AMORIM: Não creio que o Brasil vá precisar disso. Nós estamos com US$200 bilhões de reservas internacionais e a economia brasileira está sólida.

Este é um bom momento de negociar com o governo Bush?

AMORIM: Acho que sim. Eu não tenho ilusões de que, se chegarmos a um acordo, isto será submetido ao Congresso ainda neste governo. Mas, se nós tivermos um acordo aceito pelos 150 países da OMC e o presidente Bush passar este acordo para o seu sucessor, como um sinal de que a economia real não está sendo afetada pela crise financeira, há boa possibilidade de o novo presidente aceitar.

Há esperança de fechar a Rodada de Doha este ano?

AMORIM: Sim. Novas propostas estão sendo analisadas pela Índia. Ficaram de nos dar uma resposta na semana que vem. Eu tenho esperança de que possamos ter uma nova proposta de acordo ao governo americano até o fim do ano.