Título: Presos à ausência do estado
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 28/09/2008, Rio, p. 19

Bangu, Bonsucesso e Campo Grande têm maior número de detentos condenados

Cláudio Motta

Onde faltam os serviços do estado, sobra criminalidade. Pesquisa do governo estadual baseada na residência declarada pelos presos condenados (eram 17.649 a 15 de setembro) revela que 16 dos 20 bairros mais citados são das zonas Oeste e Norte, áreas com maior ausência do poder público. Cerca de 13% dos detentos do estado dizem morar em dez bairros (Bangu, Bonsucesso, Campo Grande, Jacarepaguá, Centro, Santa Cruz, Realengo, Copacabana, Rocinha e Tijuca). A partir dessas informações, quatro grupos de estudo criaram metas de redução de índices de violência.

¿ Esses bairros têm a menor presença do poder público. A população não é atendida por serviços de saúde, educação e assistência social. Quando prestados, os serviços têm baixa qualidade. A violência é o resultado mais visível da ausência do estado. A criminalidade ocupou o vácuo, atraindo jovens para o crime ¿ disse o secretário da Casa Civil, Regis Fichtner.

O levantamento foi feito com apoio do Instituto de Desenvolvimento Gerencial, que orientou a criação do programa ¿Melhoria da gestão do sistema de segurança pública¿, capitaneado pela Casa Civil. Especialistas, técnicos e policiais se reuniram em quatro câmaras ¿ polícias Militar e Civil, sistema penitenciário e medidas socioeconômicas ¿ nas quais determinaram os projetos mais importantes para reduzir a criminalidade. Se todos projetos fossem implantados, o investimento seria de R$ 873,88 milhões. O valor é inferior ao que a Secretaria de Segurança tem para investir em 2008: ao todo, R$987 milhões. O orçamento total da pasta é de R$3,5 bilhões.

¿ O estado gasta muito dinheiro em segurança na comparação com os outros e não tem uma resposta, o que nos indica que há um problema de gestão ¿ disse Fichtner.

Educação contra a criminalidade

Após três meses de discussões, o estado escolheu cinco bairros para priorizar ações: Bangu, Bonsucesso, Campo Grande, Centro e Santa Cruz. Neles, será reforçada a construção de escolas de ensino médio, além de programas de aulas de reforço.

¿ São áreas onde há fragilidade na rede de proteção, como políticas públicas de saúde e educação. As estratégias de enfrentamento têm que ser múltiplas ¿ afirma Betânia Freitas, especialista em política social e assessora da Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos.

Ela participou da câmara socioeconômica, onde foi determinado que é necessário fazer investimentos em educação, implementar políticas de saúde pública, qualificar profissionalmente e gerar trabalho e renda para combater a criminalidade.

¿ O resultado do estudo com presos não foi surpresa, é onde temos o menor volume de escolas ¿ diz a secretária de Educação, Tereza Porto.

Trabalhando com a Secretaria de Segurança, a Secretaria de Educação dará ênfase ao ensino profissionalizante e à melhora dos índices de aprovação no vestibular. O orçamento da Secretaria de Educação para obras neste ano é de R$102 milhões, contra R$30 milhões de 2007. Além disso, estão destinados R$25,7 milhões à compra de novos prédios.

Duas escolas novas funcionarão em 2009, uma em Senador Camará e outra na Cidade de Deus. Segundo Sérgio Marcondes, superintendente de Apoio Operacional da Secretaria de Educação, outras duas unidades também podem ser inauguradas no próximo ano letivo. Há outros 15 prédios em processo de aquisição. Falta de vagas, longas distâncias, desestímulo. Muitas são as razões para que jovens deixem a escola. Desocupados, alguns tornam-se alvos do crime organizado. Paulo Martins, de 19 anos, tem apenas o ensino fundamental:

¿ Algumas pessoas acabam se envolvendo com o crime. Espero poder voltar a estudar. O emprego está difícil até para quem é formado.

Com três filhos e 24 anos, Alan Barbosa tentou ser jogador de futebol. Hoje, ele trabalha numa empresa de construção de lajes em Senador Camará, em frente ao prédio que abrigará nova escola do estado. Ele espera entrar no time do estudo:

¿ Já tentei me matricular em outras unidades, mas não havia vagas.

O professor Mozart Neves Ramos, presidente-executivo do movimento Todos Pela Educação, afirma que o ensino de qualidade pode reduzir a criminalidade:

¿ Em Pernambuco, fizemos uma incubadora cultural, na qual profissionalizamos bandas e gravamos CDs.

Para Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, estabelecer metas que incluam medidas socioeconômicas é um importante passo para reduzir a criminalidade:

¿ Não basta polícia.

oglobo.com.br/rio