Título: Freio na infra-estrutura
Autor: Oliveira, Eliane; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 28/09/2008, Economia, p. 33
ABALO GLOBAL
Crise externa ameaça investimentos em energia, transporte e telecomunicações
Eliane Oliveira, Mônica Tavares e Henrique Gomes Batista
Oenxugamento do crédito, causado pela crise financeira global, que encareceu os empréstimos, deve afetar em cheio os investimentos em infra-estrutura a partir de 2009, fundamentais para o crescimento sustentado do país. Esta é a opinião de especialistas, representantes do setor privado e alguns integrantes do governo. Embora ainda seja cedo para se avaliar o impacto real da crise e suas conseqüências nos canteiros de obras, teme-se a redução dos investimentos em energia, transportes e, em menor intensidade, telecomunicações. São áreas que, junto com saneamento, devem investir R$304,6 bilhões até 2011, segundo levantamento do BNDES.
Somente em energia, a previsão é de investimentos de R$10 bilhões a R$12 bilhões por ano que podem ser atingidos, caso a crise se agrave. Em transportes, as concessões que deverão ser realizadas entre novembro deste ano e março de 2009 devem atingir R$36 bilhões. São obras que, por enquanto, contam com uma solução caseira, com o BNDES bancando grande parte dos custos com seu orçamento bilionário. A questão é saber até quando o banco terá fôlego para financiar os projetos.
- Será que o BNDES terá condições de manter esse cenário em um ano, um ano e meio? - perguntou o economista Braulio Borges, da LCA Consultores.
Pedágios podem ficar mais caros
Para ele, obras já contratadas não estão ameaçadas, mas há risco em projetos futuros, como novas usinas de energia elétrica, o término das concessões rodoviárias e a melhoria no sistema aeroportuário.
Na área de energia, o presidente executivo da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Paulo Pedrosa, acredita que está havendo um enxugamento forte do crédito. A seu ver, o setor elétrico é extremamente dependente do BNDES. E afirmou:
- O enxugamento do crédito vai chegar ao setor elétrico. Se o dinheiro ficar mais caro, muitos projetos podem não sair do papel.
O mesmo pensa o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna:
- O principal agente financeiro do setor é o BNDES, que já assegurou que não vão faltar recursos, mas as empresas com sede no exterior vão ficar mais cautelosas. Isto pode limitar investimentos.
O superintendente da área de pesquisa do BNDES, Ernani Torres, admite que a crise pode até afetar, de alguma forma, o Brasil. Mas ele não acredita em redução de investimentos no país, pelo menos de forma significativa. Segundo Torres, não há qualquer registro de projeto atrasado no momento.
- Não conheço ninguém sério que pensa que teremos uma crise galopante. É claro que estamos tendo dificuldades, mas o Banco Central está atuando e o BNDES tem todas as condições de atender à demanda no mercado interno - assegurou Torres.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, responsável pelo planejamento de longo prazo da expansão da oferta de energia no país, lembrou que hoje o Brasil não depende, no setor elétrico, de financiamento externo em grande quantidade.
- O financiamento já está dado para os próximos anos. A crise bancária não é uma questão que vai nos afetar agora. Qualquer repercussão seria só em 2013 - afirmou.
No setor de transportes, há três grandes projetos a serem licitados: o trecho Sul da Ferrovia Norte-Sul, Ferrovia Oeste-Leste; e o trem-bala Rio-São Paulo. Além disso, o governo quer privatizar sete rodovias pelo país, que somam 4.388 quilômetros.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, o atual cenário deve fazer com que os pedágios ofertados sejam mais altos que o leilão do ano passado, quando algumas empresas venceram com propostas ligeiramente abaixo de R$1.
- Além da maior dificuldade em obter financiamento, o crédito está mais caro e os estudos desses trechos são mais recentes - disse.
O presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, afirmou que não está preocupado com o atual cenário, embora admita que, eventualmente, a disputa pelas rodovias e ferrovias que serão licitadas poderá ser menor que no leilão de estradas do ano passado:
- Você acha que os investidores vão preferir aplicar na concessão de estradas do Brasil ou em títulos hipotecários dos Estados Unidos?
Em telecomunicações, a avaliação é que haverá, sim, redução de investimentos, mas por conta do que já foi investido este ano pelas operadoras na compra de licenças 3G e na portabilidade numérica, segundo Beatriz Batelli, do banco Brascan.
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, reforçou o otimismo:
- Nenhum empresário do setor manifestou esta preocupação para mim.
Um importante executivo do setor de telefonia ponderou que, se houver uma redução do crédito, isto acabará afetando, em menor ou maior grau, todos os setores. Sobre o BNDES, esse executivo disse que o percentual de investimentos em telecomunicações bancado pelo banco é pequeno, mais concentrado nas nacionais Oi e Brasil Telecom. Telefônica, TIM e Claro contam também com o capital externo.
Para o presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, ainda é cedo para responder.
- Tudo vai depender de quanto tempo vai durar a crise financeira e como ela afetará as empresas e o consumo de maneira geral.