Título: O crescimento brasileiro deve cair para 2%
Autor:
Fonte: O Globo, 28/09/2008, Economia, p. 38

ABALO GLOBAL: Na China, economia deve desacelerar e, em vez de 11%, o PIB deve crescer só 7%, projeta

Primeiro a prever crise das hipotecas, analista diz que nos próximos dois anos o mundo ficará à beira da recessão

PARIS. Nouriel Roubini virou uma espécie de guru nos Estados Unidos: está todo mundo correndo atrás dele. Ele foi o primeiro a soar o alarme da crise das hipotecas de alto risco americanas bem antes da bolha estourar, em 2006. E ainda previu a queda do Lehman Brothers e Merrill Lynch. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, o professor da Universidade de Nova York que comanda um dos sites mais lidos no mercado - o "Global EconoMonitor" - prevê catástrofe nos próximos dois anos: mundo beirando a recessão global e o risco de o crescimento do Brasil despencar para quase 2%. A desaceleração da China pode ser ainda mais radical: de 11% para 7%.

Deborah Berlinck

O senhor previu a crise das hipotecas em 2006. Por que ninguém viu isso?

NOURIEL ROUBINI: Não viram porque cada vez que há uma bolha no mercado as pessoas acham que o mundo está diferente e não é uma bolha. Há muito auto-engano no mercado e entre gestores de políticas. Ninguém quis admitir que teríamos um problema severo. E, quando a bolha das hipotecas começou a estourar, ainda minimizaram, dizendo que o problema podia ser contido. Muita ganância, auto-engano e má análise.

As transações financeiras ficaram muito complexas para serem regulamentadas?

ROUBINI: Há algumas muito vagas e opacas, mas isso não quer dizer que não podem ser regulamentadas. Claro que quando você toma um empréstimo e o transforma num MBS (sigla em inglês para um empréstimo hipotecário securitizado), que vira um CDO (sigla em inglês para Obrigações de Débito Garantidas), que vira outro CDO de outro CDO. Cria-se um monstro, um instrumento novo, exótico, complexo, sem liquidez. Quando as pessoas se dão conta que é um lixo tóxico, o sistema financeiro entra em pânico. E ninguém confia no outro porque não se sabe quem detém o lixo tóxico ou quanto (deste lixo) está circulando. Se houvesse regulamentação, esse lixo não teria ocorrido.

Então, esta crise poderia ter sido evitada?

ROUBINI: Sim, totalmente! Era preciso regulamentação. Mas decidiram não fazer por causa da ideologia de não interferência no mercado. Partimos agora para o extremo oposto: os EUA se parecem com a União Soviética. Socorreram o Bear Stearns, socorreram a AIG, socorreram Freddie Mac e Fannie Mae. Vão socorrer com US$700 bilhões os bancos. O Fed (Federal Reserve, o banco central americano) está vendendo seus títulos líquidos e trocando por ativos sem liquidez. De mercado livre num capitalismo selvagem, hoje adotamos algo que se parece com socialismo. Mas é socialismo para Wall Street e os bem conectados. Estamos privatizando os lucros e socializando as perdas. É escandaloso!

Há algo que se pode fazer para evitar essas bolhas?

ROUBINI: A forma de evitar bolha é regulamentação e supervisão adequada dos mercados financeiros, do crédito e dos empréstimos. As regras não devem ser excessivas. Temos que passar agora para regras mais simples e apropriadas.

O pior ainda está para vir?

ROUBINI: Não estamos ainda no fundo do poço. Se o plano do Tesouro americano for implementado corretamente, e não temos sequer certeza disso, evitará a repetição da crise no Japão nos anos 90, com o estouro da bolha no mercado imobiliário e de ações. O Japão acabou numa recessão que durou dez anos. Já estamos em recessão e crise financeira. Se o plano for aplicado corretamente, não vamos ter dez anos de recessão, apenas dois. Mas, nestes dois anos, a recessão será severa.

O plano deve criar um mecanismo que dará ao governo participação nos ativos das empresas. É realista?

ROUBINI: Inicialmente, o plano não tinha esse elemento. Não está claro se vão incluir isso. Se o governo vai gastar US$700 bilhões socorrendo bancos e outras instituições financeiras, isso vira um componente essencial. É o mínimo que o governo deve obter em troca da ajuda.

São grandes os riscos de o governo acabar comprando estes ativos ruins por um preço acima do que valerão?

ROUBINI: Sim, tem um grande risco de que o custo fiscal para os contribuintes seja enorme.

O senhor defende que os acionistas e administradores de bancos paguem por isso, e não os contribuintes e o governo vai limitar os salários dos executivos. Resolve?

ROUBINI: Não é o bastante e talvez seja cosmético. A forma certa não é acabar com a compensação de alguns executivos-chefes. Tem que suspender o pagamento de dividendos. O acionista também deve colocar o equivalente de seu capital privado. Deve-se também converter algumas dívidas dos créditos inseguros dos bancos em ações. Se não, a recapitalização vai favorecer os devedores. E não tem porque os devedores serem poupados porque eles tiveram altos retornos.

Quais as conseqüências para a economia global?

ROUBINI: A infelicidade é que a recessão não está só nos EUA. Todas as economias avançadas no mundo estão entrando em recessão. A questão é: quanto as economias emergentes vão desacelerar? Se 55% do Produto Interno Bruto (PIB) global se contrair, haverá desaceleração severa do crescimento nos países emergentes. Há o risco de uma recessão global.

Traduzindo...

ROUBINI: Uma recessão global se traduz por um crescimento global abaixo de 2.5%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Por que? Porque o crescimento potencial das economias emergentes é de 6% a 7%. Se o crescimento de mercados emergentes cai para 3%, é uma aterrissagem forçada. Se o Brasil tiver um crescimento entre 1% e 2%, é como uma recessão para o Brasil. Uma queda na Rússia, Índia, China, Brasil e outros emergentes, com um crescimento negativo das economias avançadas, levará a uma recessão global. Penso que o crescimento da economia global em 2009 pode cair para perto de 3%, o que significa que estaremos perto de uma recessão global.

A China só vai crescer 6% ou o Brasil só 2%?

ROUBINI: Neste momento, o crescimento chinês está caindo de 11% para 9%, e pode chegar perto dos 7%, o que é muito perto de uma aterrissagem forçada de 6%. E para o Brasil, as pessoas estão esperando crescimento entre 3% e 3,5% em 2009. Mas com uma crise global, crise financeira nos EUA, e recessão nas economias ricas, há a possibilidade de que o crescimento brasileiro caia para 2%. E, na minha opinião, crescimento de 2% para o Brasil é equivalente a uma recessão.

O declínio dos EUA é inevitável?

ROUBINI: A longo prazo, o poder econômico, financeiro e também político dos EUA ia cair, devido à emergência dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), que têm grandes populações e estão crescendo mais rápido do que os EUA. O que significa que uma fatia maior do PIB mundial viria desses países e de outros emergentes. Os erros nas políticas dos EUA, seus déficits e a crise financeira vão enfraquecer ainda mais o poder econômico, financeiro e político dos EUA. Mas não é um fenômeno que acontece de um dia para o outro.

O FMI não viu nem reagiu quando a crise estourou. O FMI tem que ser reinventado?

ROUBINI: Eles notaram cedo que havia riscos. Mas o FMI não tem peso com economias avançadas. Temo que os emergentes, com grandes déficits em conta corrente e numa recessão global, verão o fluxo de capitais parar de repente. Não estou falando do Brasil, mas outros poderão se encontrar numa situação de estresse severo, e vão precisar de dinheiro do FMI.