Título: Superclasse, a elite por trás da crise
Autor:
Fonte: O Globo, 28/09/2008, Economia, p. 41

Para pesquisador dos EUA, influência sem limite de executivos de Wall Street levou à turbulência

Danielle Nogueira

O que o brasileiro Paulo Coelho e o americano James Dimon têm em comum? Ex-hippie e escritor, Coelho vendeu mais de cem milhões de livros no mundo. Descendente de imigrantes gregos e diretor-executivo do JPMorgan, Dimon é um dos poucos em Wall Street a manter sua empresa no azul, apesar da crise, e acertou este ano a compra de dois grandes bancos à beira da falência nos EUA: o Bear Stearns, em março, e o Washington Mutual, na quinta-feira passada. Seja pelo dom da palavra ou pela habilidade com as finanças, ambos são capazes de moldar comportamentos e definir prioridades. Podem, por seu poder e prestígio, influenciar a vida de milhões, privilégio dos poucos integrantes da nova elite global. Na definição do americano David Rothkopf, a superclasse.

Pesquisador da Carnegie Endowment e ex-subsecretário de Relações Internacionais do governo Clinton, Rothkopf dedicou os últimos dois anos de trabalho a compreender a dinâmica desse seleto grupo. No livro ¿Superclasse: a elite que influencia a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo¿ (Ed. Agir, R$44,90), que será lançado esta semana no Brasil, ele afirma que seus membros não passam de seis mil e identifica características que os diferenciam das elites tradicionais. A primeira delas é que seu poder de influência está associado a sua projeção global.

Marck Zuckerberg, de menos de 25 anos, garantiu seu crachá de superclasse ao criar o site de relacionamento Facebook e, assim, contribuir para a redefinição do conceito de comunidade global. Com ele estão grandes executivos que ditam as regras do mercado, como Dimon; representantes da literatura, como Coelho; e ícones da cultura pop, como a colombiana Shakira. O presidente Lula também garantiu lugar, ao ser convidado para o Fórum Mundial Econômico, realizado anualmente em Davos e considerado por Rothkopf o ponto de encontro do clube.

Embora mais flexível e efêmera ¿ basta um cantor sair da lista de discos mais vendidos para perder seu assento na superclasse ¿, a nova elite global também exibe grande concentração de poder. A maior parte de seus membros é do sexo masculino, branca, nascida nos EUA ou na Europa, originária do setor financeiro e com 50 a 60 anos. Refletem, de certa forma, a estrutura do poder do pós-guerra. Sua enorme influência ¿ e a falta de limites a esse poder ¿ é apontada por Rothkopf como responsável pela crise atual.

¿A superclasse financeira ajudou a vender a idéia de que se o mundo deixasse as decisões para o mercado, em vez de para o governo, tudo estaria bem. E a superclasse política favoreceu essa idéia, ao nomear reguladores fracos ou ao não assegurar uma supervisão adequada (dos mercados). Isso criou as condições para a crise¿, disse Rothkopf, por e-mail.

O socorro que está sendo negociado entre a Casa Branca e o Congresso americano também é resultado da pressão de Wall Street, em sua avaliação: ¿A superclasse financeira mostra seu poder real ao pedir (e conseguir que considerem seriamente) um socorro. Eles disseram `deixe-nos¿, e nós deixamos. Agora dizem `desculpe-me, não deu certo como planejamos, por favor intervenham para preservar nossa riqueza¿, e nós o fizemos¿.

O autor defende a criação de mecanismos de governança que garantam a representação de interesses dos povos nos corredores do poder. Significa não apenas o fortalecimento de instituições que regulam os mercados, mas que ajudam a combater mudanças climáticas, por exemplo. Algo que será possível, diz ele, quando as estruturas das Nações Unidas e do G-8 (grupo dos sete países mais ricos e a Rússia) começarem a ser revistas. Ou seja, quando o sistema internacional arquitetado no pós-guerra começar a ruir.

Mas de onde virão os novos líderes? Dos emergentes, especialmente a Ásia: ¿Há um segmento crescente na superclasse que vai mudar a natureza do grupo nas próximas duas décadas. A Ásia está criando mais multinacionais e mais bilionários. Isso certamente fará com que a estrutura do poder do século XXI seja bem diferente da formada no século XX¿.