Título: Crédito mais caro e escasso, o 1º efeito da crise
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 30/09/2008, Economia, p. 29

Empréstimos devem ficar mais caros. Crescimento menor terá impacto em emprego. Governo sofrerá menos

Cássia Almeida

Os reflexos do caos nos mercados financeiros do mundo no dia-a-dia dos brasileiros devem aparecer com mais força somente no ano que vem. Efeitos nos preços, no emprego, no salário, no investimento das empresas virão, mas os especialistas são unânimes em afirmar que o crédito será o primeiro a sofrer o baque.

O crédito tanto para as pessoas físicas como para empresas ficará mais escasso e caro. Nessa cadeia, o próximo efeito será nos investimentos das empresas. Com menos dinheiro disponível e com a desaceleração da economia mundial, os ânimos para aumentar a capacidade de produção esfriam. Assim, criam-se menos empregos e o salário vai nessa onda.

CRÉDITO PARA PESSOAS JURÍDICAS: O primeiro sinal da crise vem pelo crédito. E, antes das pessoas físicas, as empresas sofrerão o primeiro impacto. Paulo Levy, do Ipea, lembra que cerca de 18% do dinheiro que é emprestado para as empresas são captados pelos bancos no exterior. O enxugamento do crédito começará por aí, diante do medo de emprestar que tomou conta do mercado financeiro mundial.

CRÉDITO PARA PESSOAS FÍSICAS: O crédito interno está crescendo menos, em conseqüência da alta desde abril da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75%. No início do ano, crescia 25%, agora esse avanço está em 19%. Os bancos devem encarecer as linhas para o consumidor e tornar os empréstimos mais difíceis.

PIB ABAIXO DE 4%: Com o mundo crescendo menos, a economia brasileira sentirá. O avanço de 6% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) no primeiro semestre não vai se repetir. Mas, entre os analistas, esse efeito surgirá somente no ano que vem. Para 2008, o crescimento acima de 5% está garantido. Para 2009, analistas estão revendo suas projeções de 3,5% em média para 3% diante do agravamento da crise.

INVESTIMENTO: O principal impulso do PIB no primeiro semestre será o mais afetado pela crise. Sem o crédito externo, as empresas serão obrigadas a abrir mão de bens para manter as operações, o que antes era garantido pelo empréstimos. Ativos, como dólares e ações, que seriam para ampliar fábricas e comprar máquinas ficarão mais escassos. Além disso, o mercado financeiro, que tem sido o instrumento para aumentar o capital das empresas e financiar o investimento, está inviável. Sem contar o ânimo dos empresários. Com o país e o mundo crescendo menos, por que investir mais?

EMPREGO E SALÁRIO: Quanto mais as empresas investem, mais empregos criam. Assim, o mercado de trabalho que tem se mostrado forte, com desemprego em baixa e salário em alta, deve encolher, mas só em 2009. Com menos oferta de vagas, haverá mais trabalhadores desempregados e o salário tende a crescer menos.

DÚVIDA NA INFLAÇÃO: O avanço do dólar tende a ter reflexos rápidos nos preços dos produtos brasileiros. Outros acontecimentos, porém, jogam para baixo os preços. As cotações de produtos agrícolas e minerais tendem a cair com o mundo crescendo menos e, assim, os preços no Brasil caem também. Os juros em alta são outro fator a limitar a inflação. Segundo especialistas, ainda não dá para saber qual efeito terá mais força.

CONTAS PÚBLICAS: Para o governo, a situação tende até a melhorar. Como o dólar disparou e o Brasil é credor nessa moeda, tanto nas reservas internacionais como nas operações cambiais, o efeito será até benéfico. Já o déficit nas contas externas ficará mais difícil de ser financiado com os investimentos estrangeiros diretos, que têm bancado o buraco no balanço de comércio de bens e serviços do Brasil com o resto do mundo.