Título: Divisão entre republicanos leva Bush a derrota
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 30/09/2008, Economia, p. 27

Para parlamentares, pacote não dá garantia de solução para a crise e de retorno dos US$700 bi aos cofres públicos

José Meirelles Passos

WASHINGTON. A rejeição do pacote de socorro ao sistema financeiro americano deixou claro que a divisão no Partido Republicano é bem mais profunda do que se imaginava. A grande maioria de seus parlamentares não só deu de ombros aos apelos do presidente George W. Bush, como esnobou a urgência que o seu próprio candidato presidencial, John McCain, imprimira na aprovação do plano.

Por que eles fizeram isso? A resposta mais ouvida era a de que, da forma como foi montado o pacote, não ficou claro se os US$700 bilhões serão suficientes e, tampouco, que garantias tem o governo de que vai recuperar esse dinheiro dado ao setor privado.

Houve, por um lado, um viés ideológico nessa rejeição:

- Votei contra porque esse pacote colocaria o país numa escorregadia ladeira para o socialismo - disse o deputado republicano Jeb Hensarling, do Texas.

Houve, ainda, uma preocupação com o poder extraordinário que o pacote conferia ao secretário do Tesouro, Henry Paulson, já que ele poderia escolher - a seu critério - que bancos e financeiras socorrer:

- Seria como entregar o governo ao "rei" Henry ?- disse sarcasticamente outro republicano do Texas, John Culberson.

O democrata Lloyd Dogget, também texano, concordou:

- Estaríamos dando novos poderes à pessoa (Paulson) que permitiu que essa crise se desenvolvesse.

Assessor de McCain culpa democratas por derrota

Nas discussões que ainda reverberavam no Congresso americano, no início da noite de ontem, Bush e McCain eram apontados como os grandes perdedores nesse episódio.

Bush pelo fato de, até em cima da hora, em telefonemas a vários parlamentares de seu partido, ter procurado usar a mesma tática que usara às vésperas do início da guerra contra o Iraque. Naquela época afirmou que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa que poderiam atingir os EUA. E agora que sem o pacote, como foi estruturado, o país estaria à beira de uma catástrofe financeira.

Allan Meltzer, ex-conselheiro econômico do presidente Ronald Reagan e professor especializado em política monetária da Carnegie Mellon University, criticou o enfoque:

- É uma tática para amedrontar com o fim de fazer algo que é de interesse privado e não público. É uma coisa terrível.

McCain, por sua vez, foi chamuscado pelo resultado da votação pelo fato de, até minutos antes, ter se gabado de ser o responsável pelo recrutamento de parlamentares republicanos que, como afirmou, votariam em peso pela aprovação do pacote.

- Esse pacote não teria sido aprovado sem a influência de McCain, que interrompeu a sua campanha para vir a Washington - afirmara Jimmy Hazelbaker, diretor de comunicações da campanha de McCain.

Ao final dela, Doug Holtz-Eakin, conselheiro sênior de McCain, emitiu uma nota culpando os democratas pelo fracasso. Barack Obama, o adversário democrata, não titubeou em tirar proveito da situação:

- Esse é um momento de crise nacional, e a inércia no Congresso hoje, assim como a irada e hiperpartidária declaração divulgada pela campanha de McCain mostram por que o povo americano está desgostoso com Washington - disse ele, acrescentando que "é importante que o público e os mercados permaneçam calmos. E que os democratas levem isso adiante, e os republicanos também cumpram o seu dever".

A ala mais conservadora do Partido Republicano exige uma modificação específica no pacote, para aprová-lo. Quer que, em vez de comprar títulos podres de bancos e financeiras - papéis de hipotecas de alto risco já vencidas e não pagas - o governo seja o fiador desses papéis, garantindo o seu pagamento. Ou seja: o dinheiro seria emprestado aos devedores e não aos credores.