Título: Lula admite risco de contágio e critica o cassino da economia americana
Autor: Vasconcellos, Fábio; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 30/09/2008, Economia, p. 24

Mantega diz que crédito aos exportadores já dá sinais de desaceleração

Fábio Vasconcellos, Gustavo Paul, Luiza Damé e Henrique Gomes Batista

RIO e BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem que a crise americana vai reduzir o crédito no mundo e cobrou do governo americano responsabilidade para aprovar o pacote para conter a crise e evitar que as discussões sejam afetadas pela disputa eleitoral. Lula disse que o Brasil não será vítima do cassino criado pelo sistema financeiro americano. Pela primeira vez, o presidente admitiu que poderá haver algum tipo de contágio para a economia brasileira.

- Eles precisam ter responsabilidade porque os países emergentes e os países pobres que fizeram tudo para ter uma boa política fiscal, para fazer a economia ter estabilidade, não podem agora ser vítimas do cassino que eles montaram na economia americana - disse Lula, após a cerimônia de celebração dos cem anos da morte de Machado de Assis, no Rio de Janeiro. - Não é justo que países latino-americanos, africanos, asiáticos paguem pela irresponsabilidade de setores do sistema financeiro americano.

Lula disse que discute sistematicamente a crise americana com a equipe econômica. Segundo ele, projetos importantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não serão paralisados:

- Nossas exportações continuam indo bem, as importações de máquinas e equipamentos continuam indo bem, nossa indústria continua crescendo - disse Lula. - Após tantos anos esperando para crescer, não vamos agora, em função da crise americana, jogar fora as coisas que construímos com sacrifício.

Mais cedo, no programa "Café com o presidente", Lula disse que o sistema financeiro brasileiro está descolado da crise global, mas admitiu que há riscos de contágio:

- Essa crise é dos banqueiros americanos, dos banqueiros europeus, não é dos banqueiros brasileiros. Portanto, é preciso que eles assumam responsabilidades - disse Lula. - É importante que o povo brasileiro saiba que uma crise de recessão num país importante como os EUA pode trazer problemas a todos os países, porque eles representam a maior economia do mundo. Estou convencido de que o Brasil, se tiver de passar por algum aperto, será muito pequeno, porque diversificou a sua balança comercial.

Mantega acredita que pacote dos EUA será aprovado

O presidente criticou a falta de ética no mercado financeiro internacional e voltou a acusar os bancos de transformarem o mercado financeiro em um cassino. Ele defendeu maior controle do sistema financeiro mundial:

- Não se pode mais permitir que transformem o banco num verdadeiro cassino, onde o que vale é a aposta, sem medir as conseqüências dessas apostas.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, por sua vez, que ainda está otimista e que acredita que o Congresso dos EUA ainda aprovará o pacote. Apesar de afirmar - em pleno dia de terror dos mercados - que a economia do Brasil vivia situação bastante normal, o ministro admitiu que já sinais de problemas em alguns setores. Segundo ele, o crédito aos exportadores é o primeiro foco de dificuldades que pode, no futuro, chegar ao agronegócio:

- Evidentemente que falta um pouco de crédito em dólares, porém isso não está impedindo o setor exportador de funcionar. E o Banco Central (BC) está fazendo leilões para dar um pouco de crédito em dólar neste setor - afirmou.

Ele admitiu que já houve redução do crédito nos bancos privados brasileiros:

- Estaremos acompanhando os acontecimentos, as conseqüências que esta situação possa ter em relação ao Brasil, mas posso dizer que a situação é bastante normal no Brasil.

A avaliação foi realizada em uma reunião pela manhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, além de representantes do Ministério da Agricultura. Segundo Mantega, foi analisado setor a setor, e o principal foco de preocupação, até o momento, é com os exportadores.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Exportadores (AEB), José Augusto de Castro, disse que a falta de crédito é o principal problema no momento. Já o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que o governo avalia os efeitos da crise para a economia brasileira.

- Precisamos ficar preocupados com o desdobramento da crise, mas não devemos entrar em pânico - disse.