Título: Lamento toda essa cortina de fumaça num momento dramático como este
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 01/10/2008, O País, p. 14

CRISE AMBIENTAL: "É o ministério em carreira solo correndo atrás do prejuízo"

Marina acusa Minc de pirotecnia para esconder gravidade do quadro na Amazônia

BRASÍLIA. Acabou a política dos panos quentes para esconder as divergências. Isolada no interior do Acre, sem televisão ou acesso às notícias, a senadora Marina Silva (PT), ex-ministra do Meio Ambiente, fez ontem pela primeira vez críticas pesadas à maneira como seu sucessor, Carlos Minc, divulgou anteontem a lista dos cem maiores desmatadores da Amazônia - no mesmo dia em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgava o crescimento de 133% no desmatamento da Amazônia. Evitando citar o nome de Minc, Marina classificou de pirotecnia tornar pública uma lista sem sequer tê-la lido, como Minc alegou ontem, diante das reações do Incra. Ela disse também que a força-tarefa anunciada por Minc para processar os criminosos ambientais já existe desde março.

Catarina Alencastro

Na sua gestão foi elaborada uma lista de desmatadores. Por que ela só está sendo divulgada agora?

MARINA SILVA: A lista estava sendo preparada e, no momento oportuno, seria apresentada. A minha surpresa é dizer que havia interesse em ocultar lista. Isso não faz parte do meu caráter. Todos os que estavam sendo multados estavam aparecendo. Quando eu saí, isso estava em pleno funcionamento. A lista é resultado de um trabalho. Não sei por que não foi anunciada antes.

Por que a senhora quis esperar para fazer a divulgação?

MARINA: Não é questão de esperar. É uma questão de ser responsável. As coisas sempre foram feitas com critério. Em agosto de 2007, quando identificamos que o desmatamento tinha voltado a crescer, tomamos uma série de medidas, entre elas um decreto do presidente Lula criando um grupo de trabalho de responsabilização ambiental. O objetivo era identificar os maiores criminosos e instruir os processos para processá-los criminalmente. Em 11 de março deste ano, foi assinada a portaria que criou a força-tarefa para dar instrução aos processos e preparar a lista dos cem maiores desmatadores.

Mas a lista não foi divulgada.

MARINA: Na hora em que eu divulgasse os nomes de forma pirotécnica, estaria prestando um desserviço, avisando aos desmatadores de forma antecipada. O grupo estava acontecendo há três meses quando eu saí. Se passaram sete meses e foi divulgado sem que ninguém tenha lido, as coisas ficaram, parece, num grande ato. A lista era um processo que tinha que ser instruído, para produzir provas, fazer perícia para ser eficaz. Ficar só no anúncio... O que vai fazer a diferença é a resolução do Banco Central (restringindo crédito aos desmatadores) e também a criminalização da cadeia produtiva do desmatamento.

A força-tarefa com o Ministério Público anunciada por Minc já existia, então?

MARINA: Seria impossível alguém assinar uma força-tarefa e já ter uma lista na mão. Foi criada em dezembro de 2007, composta por 25 procuradores federais. O objetivo era a cobrança das taxas (multas) ou a aplicação das penas. Eu não fiquei disputando autoria, mas, como agora deu errado... Eu teria lido e checado item por item para divulgar essa lista. E, com certeza, não teria demorado sete meses.

A senhora já sabia então que os assentamentos do Incra apareciam no topo dessa lista?

MARINA: Essas informações foram divulgadas pelo Tribunal de Contas da União, que fez um estudo dando conta de que os assentamentos do Incra eram responsáveis por 18% do desmatamento no ano passado. Na época, foi feito esse questionamento e foi dito que 80% são responsabilidade dos grandes e médios (agricultores). O que eu lamento é que, num momento dramático como este, em que o desmatamento (de agosto) aumentou 133% em relação a julho, fica toda essa cortina de fumaça discutindo se os culpados são os pequenos ou os grandes, quando se tem que ter medidas estruturantes para todos.

O Plano de Combate ao Desmatamento não é novidade?

MARINA: Na Operação Arco Verde já tem um monte de medidas que estão sendo anunciadas agora. Perdeu-se a perspectiva do plano como processo integrado, e voltou o diapasão de o ministério em carreira solo correndo atrás do prejuízo. Temos que ter muito cuidado para não cometer injustiças. Tive muito cuidado para não desconstruir as coisas feitas pelo Sarney (Filho, que a antecedeu no ministério do Meio Ambiente). A maioria das coisas (que Minc vem anunciando) já estava em curso. Não posso concordar que, quando dá certo, a autoria seja transferida, e, quando dá errado, a autoria seja devolvida.

Quando foram aplicadas multas? O Incra recorreu quando da decisão?

MARINA: Quatro dessas multas já haviam sido aplicadas na minha gestão.