Título: Apertando o cinto
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/10/2008, Economia, p. 29

Crise financeira mundial fará governo rever Orçamento para 2009 e cortar despesas

Gustavo Paul

Acrise internacional levará o governo a rever os números do Orçamento de 2009, reduzindo a perspectiva de receitas, cortando despesas previstas e podendo até aumentar o superávit primário. O tema ainda é tratado discretamente dentro da equipe econômica, mas já começaram as discussões em torno da revisão de projeções do projeto de lei orçamentária enviado no fim de agosto ao Congresso. Na ocasião, o Ministério do Planejamento baseou a proposta num cenário otimista, que prevê expansão da economia de 4,5%, taxa média de câmbio de R$1,71 e inflação em 4,5%, no centro da meta.

O desenrolar da crise financeira internacional e suas conseqüências para a economia brasileira vão alterar esses parâmetros, segundo dados do relatório de inflação apresentados na segunda-feira pelo Banco Central (BC) e projeções feitas pelo mercado financeiro. As estimativas de crescimento da economia em 2009 estão mais pessimistas e apontam para um percentual próximo de 4%. Além disso, cresce entre analistas a percepção de que o Produto Interno Bruto (PIB) não deve ultrapassar 3,5%.

A alta do dólar deve colocar a moeda americana acima da projeção original do governo e mais próxima da casa de R$1,80, segundo as projeções mais recentes. A inflação medida pelo IPCA será maior do que os 4,5% previstos, podendo chegar a 4,9% nas contas do mercado, e a 4,6% de acordo com o BC. As mudanças nesses parâmetros poderão ser oficializadas em novembro, quando o governo enviar à Comissão de Orçamento a nova estimativa das receitas e despesas do orçamento de 2008 e de 2009.

- Vamos ter que cortar despesas de qualquer jeito e fazer um esforço fiscal adicional - disse uma fonte da área econômica.

"Agora, a proposta está caduca"

Para analistas do governo, este cenário exigirá novo cálculo nas projeções de receita de 2009, que deveriam passar de R$715,8 bilhões para R$808,9 bilhões. Este salto de 13% é bem maior do que a projeção do crescimento da economia. Para equilibrar o orçamento, a redução na receita terá de ser acompanhada pelo corte de despesas, que crescerão em um percentual maior. Sem poder reduzir as despesas obrigatórias (pessoal, previdência e assistência social), que crescerão 16,5% entre 2008 e 2009, a solução será atacar as despesas discricionárias, que representam apenas 9,6% do total dos gastos.

Ao todo, incluindo despesas de custeio e investimentos, elas estão orçadas em R$151,9 bilhões, 11,5% a mais do que os R$136,2 bilhões de 2008. Como boa parte das despesas discricionárias é de áreas politicamente sensíveis como saúde, educação e Bolsa Família, a tendência é que o governo corte investimentos, procurando manter o máximo possível dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para fazer frente à queda do crédito externo, os técnicos avaliam ser necessário aumentar a poupança interna. Como o consumo doméstico ainda está bastante aquecido e deve ser um dos motores da economia em 2009, avalia-se que o mais viável seria aumentar a poupança governamental, por meio de um superávit primário - que será de 4,3% do PIB - um pouco maior. Essa possibilidade, porém, é considerada de difícil implementação política e poderá ser abandonada.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, diz que ainda é prematuro fazer qualquer avaliação do cenário no próximo ano. Segundo ele, ainda não se sabe a dimensão da crise e suas conseqüências para a economia real.

- Essa reavaliação é natural e sempre feita no fim do ano, pois a proposta orçamentária é realizada em agosto, muito longe do fim do ano - disse o ministro.

O especialista em contas públicas, Raul Velloso, considera inevitável a revisão do Orçamento. Segundo ele, a proposta que tramita no Congresso desde o início de setembro envelheceu rápido demais:

- O Orçamento foi feito para um Brasil inserido em outro mundo - afirmou Velloso. - Agora, a proposta está caduca.