Título: Brasil obtém célula de embrião
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 01/10/2008, Ciência, p. 41

Linhagem garante ao país autonomia nas pesquisas e domínio tecnológico

Roberta Jansen

Menos de seis meses depois da liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), um consórcio formado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou ontem a obtenção da primeira linhagem 100% nacional dessas células.

Na verdade, trata-se da primeira linhagem obtida na América Latina, segundo os cientistas, que farão a apresentação oficial do trabalho amanhã, no III Simpósio Internacional de Terapia Celular, em Curitiba. O feito é importante para a autonomia do país nas pesquisas da área e para o domínio de todo o processo tecnológico que leva à obtenção das cobiçadas células.

Liberação no STF acelerou pesquisa

As células-tronco são as primeiras a se formar no organismo, ainda nos primeiros estágios embrionários. Elas dão origem a todas as demais células e, posteriormente, tecidos do corpo. Por terem tamanha capacidade de diferenciação são chamadas totipotentes e, acredita-se, têm um grande potencial regenerador. A obtenção de linhagens dessas células é o primeiro passo para o desenvolvimento futuro de terapias inéditas para doenças como os males de Parkinson e Alzheimer, alguns cânceres, problemas cardíacos, entre outros.

Os grupos de Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP, e de Stevens Rehen, do Programa de Oncobiologia da UFRJ, começaram a trabalhar com linhagens importadas de células-tronco embrionárias humanas em 2005, quando foi aprovada no país a Lei de Biossegurança, que autorizava esse tipo de pesquisa. A despeito da contestação da validade da lei que tramitava no STF, os grupos mantiveram suas linhas de estudo.

¿ Trouxemos gente dos EUA em 2006 para nos ajudar, pesquisadores que tinham experiência em retirar células do embrião e também dominavam os estágios iniciais de cultura, que são muito complicados ¿ contou Lygia.

Com a liberação definitiva das pesquisas no STF, o trabalho ganhou impulso. Finalmente, há cerca de três meses, o grupo conseguiu a primeira linhagem 100% nacional de células, obtida a partir de embriões congelados há mais de três anos e descartados por clínicas de fertilização in vitro, conforme determina a lei.

¿ Muito do que a gente está fazendo com as linhagens importadas é pesquisa básica. Mas quando isso começar a virar agente de terapia, vamos esbarrar em limitações de uso, problemas de patente ¿ afirmou Lygia. ¿ Tendo uma linhagem brasileira, ela estará disponível para todos os grupos brasileiros, sem restrição. É outra história termos autonomia, conseguirmos seguir o processo do início ao fim. É importante colaborar com estrangeiros, mas não depender deles.

Produção em larga escala para estudo

O próximo passo é conseguir cultivar as células em grandes quantidades. O grupo de Rehen desenvolveu (em parceria com a Coppe) uma técnica inédita que garante um aumento de até 68 vezes no número de células-tronco embrionárias humanas produzidas em laboratório e a um custo três vezes menor que o tradicional.

¿ Aplicação imediata é a pesquisa ¿ disse Rehen. ¿ Vamos continuar trabalhando para gerar maior quantidade de células e poder disponibilizá-las para quem quiser trabalhar com elas no Brasil.

O grupo de Lygia, por exemplo, está focado na pesquisa mais básica, envolvendo as alterações que ocorrem no genoma quando a célula-tronco começa a se especializar ¿ uma linha de estudo fundamental para o futuro desenvolvimento de terapias específicas:

¿ Queremos agora continuar a estabelecer outras linhagens, mas usando métodos cada vez mais sofisticados, que gerem células mais próximas de um futuro uso clínico.

Já o grupo de Rehen no Programa de Oncobiologia está voltado para o estudo pioneiro das células embrionárias humanas na geração de neurônios para uso em terapias para lesão medular e mal de Parkinson. A equipe conseguiu bons resultados em estudos com animais. Outros grupos pretendem trabalhar com as células para problemas cardíacos.