Título: Grampos ilegais
Autor: Abramovay, Pedro
Fonte: O Globo, 03/10/2008, Opinião, p. 7

O grande desafio quando tratamos do tema das escutas telefônicas é a conciliação entre a possibilidade de o Estado exercer o seu poder coercitivo de forma igual sobre todos os indivíduos e a proteção dos direitos individuais de cada um dos cidadãos.

É possível manter o padrão de investigação da Polícia Federal que rompeu com a história de impunidade brasileira a partir da utilização em larga escala de interceptações telefônicas, sem transformar o Estado brasileiro em um grande Big Brother que ignora o direito à privacidade de cada um dos indivíduos?

Sem dúvida. É por isso que o governo enviou dois projetos de lei ao Congresso. O primeiro propõe uma forte regulação para a execução das escutas com autorização judicial e o segundo, um controle rígido sobre os grampos ilegais.

Este segundo projeto foi alvo de algumas incompreensões. Foi dito que ele teria por objetivo punir jornalistas e acabar com o sigilo da fonte.

O que diz o texto enviado pelo governo? Cria a possibilidade de demitir o funcionário público que praticar a interceptação, além daquele que vazar o conteúdo da escuta; criminaliza a venda de aparelhos de escuta sem autorização (hoje livre, mesmo sendo seu uso sempre ilegal); pune a realização de interceptação sem ordem judicial, a violação do segredo de justiça de material obtido por meio de escuta e, finalmente, a utilização deste material para fins diversos dos previstos em lei.

Este último dispositivo foi o responsável pela polêmica em curso. Qual é objetivo deste projeto ao pretender punir todo aquele que "utilizar o resultado de interceptação de comunicação telefônica ou telemática para fins diversos dos previstos em lei"? A resposta é simples. Existe hoje uma cadeia criminosa que orbita em torno dos grampos ilegais. Ninguém faz uma escuta por mera curiosidade, mas para usar o material da interceptação visando a ameaçar, coagir, difamar ou chantagear. Portanto não basta punir quem executa o grampo ilegal, mas todos aqueles que se aproveitam do seu resultado.

Isso atinge o sigilo da fonte ou a liberdade de informação? De forma alguma. São dois direitos previstos como cláusulas pétreas de nossa Constituição. O primeiro está previsto no inciso XIV do artigo 5º da CF. O segundo, garantido pelo texto do artigo 220, que é claro ao afirmar em seu § 1º: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística."

A leitura do projeto enviado não pode ser feita como se o texto constitucional não estivesse em vigor. O direito brasileiro não permite qualquer brecha para a punição de um jornalista que cumpra o seu dever de informar a população.

A liberdade de imprensa, além de uma garantia fundamental para a democracia, provou-se tão indispensável no combate à corrupção quanto as escutas telefônicas. Qualquer ameaça ao pleno direito de informação deve sempre ser repudiada. Felizmente, neste mês de outubro, comemoramos 20 anos da Constituição que nos protege definitivamente de qualquer retrocesso nessa seara.

PEDRO ABRAMOVAY é secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.