Título: Câmara precisa vencer impasse para votar plano
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 03/10/2008, Economia, p. 31

Grupos de deputados reagem a emendas que aumentaram o custo fiscal do socorro a bancos para US$850 bi.

WASHINGTON. As dúvidas sobre a aprovação hoje na Câmara dos Representantes, do pacote de US$700 bilhões para salvar bancos e financeiras, permaneciam no início da noite de ontem. Elas eram tão grandes que tanto a presidente da casa, Nancy Pelosi, quanto o líder da maioria democrata, Steny H. Hoyer, disseram não ter sequer certeza de que a nova versão do documento - aprovada na última quarta-feira pelo Senado - será, de fato, levada ao plenário ainda hoje.

- Só vamos chamar os parlamentares à votação quando tivermos certeza absoluta que contamos com os votos necessários para a aprovação do pacote - disse Pelosi.

Harry Reid, líder da maioria no Senado, disse que a Casa permaneceria em sessão para o caso de ter de apreciar novamente o pacote, caso ele seja alterado também pela Câmara. A tensão corria por conta de muitos republicanos ainda não convencidos de que a iniciativa resolverá a crise e, também, porque o grupo de democratas conservadores em assuntos fiscais - auto-denominado "Blue Dog" ou Cachorro Azul - manifestou desacordo com o fato de os senadores terem encaixado no texto uma série de isenções de impostos no valor de US$150 bilhões.

Versão do Senado tem medidas esdrúxulas

O seu argumento é o de que isso vai agravar ainda mais o déficit fiscal do país, uma vez que apenas cerca de um quarto daquele total será neutralizado - também foram inseridos no pacote cortes de gastos que chegariam a US$40 bilhões.

- Certamente há pessoas angustiadas pelo fato de, ao tentar estabilizar a economia, nós estarmos piorando o déficit - disse Hoyer - Continuo preocupado de não conseguirmos os votos necessários para aprovar o pacote.

A versão do plano aprovada pelo Senado tem 451 páginas, bem mais que a proposta de cerca de 50 páginas que foi votada na Câmara na segunda-feira e que o plano de duas páginas e meia enviado pela Casa Branca ao Congresso.

Além da ampliação do limite de garantia aos depósitos bancários pelo governo para US$250 mil, da flexibilização de regras que favorecem as instituições financeiras e da autorização para uma linha de crédito ilimitada do Tesouro ao FDIC, órgão que garante os depósitos bancários nos EUA, foram incluídas medidas que não guardam qualquer relação com a crise.

Entre as novidades estão crédito fiscal para quem emprega moradores de reservas indígenas, auxílio de US$10 mil para treinamento em resgate de minas e até deduções para produção doméstica em Porto Rico. Também estão previstos incentivos fiscais para investimentos em áreas pobres do capital federal e isenção de impostos a pessoas atingidas por desastres naturais, como furacões, no Meio-Oeste,Texas e Louisiana. Também está prevista a exigência de que empregadores e firmas de seguro ofereçam às pessoas com problemas mentais igual cobertura dada aos pacientes de doenças físicas e mais recursos a escolas rurais.

As medidas foram incluídas para conquistar o apoio de parlamentares republicanos no Senado, responsáveis pela derrota na Câmara na segunda-feira. O discurso agressivo de Nancy contra a administração do presidente dos EUA, George W. Bush, também foi apontado como a gota d´água para a revolta dos republicanos.

O presidente George W. Bush investiu, novamente, mais algumas horas tentando convencer os renitentes. E depois de uma reunião com empresários, fez um novo apelo público:

- É essencial que a Câmara aprove essa legislação para que possamos restaurar a confiança. Esse é um assunto que está afetando pessoas que trabalham duro. Elas estão preocupadas com sua poupança, com seu emprego, com sua casa, com seus pequenos negócios - disse.

Na primeira votação na Câmara, segunda-feira, o pacote foi derrotado por 228 a 205, sendo que 140 democratas votaram a favor. Ao fazerem os cálculos, os líderes da Câmara viram que necessitam de apenas 12 votos para virar o jogo (ainda que por apenas um ponto), desde que todos os que tinham sido a favor mantenham a sua posição. O resultado se inverteria, ficando 217 a 216.

Joe Barton, republicano do Texas, disse que para ele nada mudou:

- O pacote que o Senado nos manda de volta é um gêmeo daquele que rejeitei segunda-feira. Ou seja, a nova legislação é a mesma velha legislação - disse.

Isenção até para arco e flexa de treinar crianças

Outro republicano contrário ao pacote, Jeb Hensarling, disse que manterá sua posição devido às isenções de impostos incluídas nele:

- Fiquei abismado de ver que incluíram uma isenção até mesmo para uma taxa de US$0,39 centavos cobrada à flechas de madeira de um kit para treinamento de arco e flecha para crianças. Isso é um absurdo! - disse ele.

John Shadegg, também republicano, foi um dos poucos a mudar de opinião depois das alterações feitas no pacote pelo Senado. Ele disse que gostaria de ver outras mudanças, mas que estaria se convencendo de que o mais importante no momento é sinalizar aos mercados que algo está sendo feito para a sua volta à estabilidade:

- Estou inclinado a tapar o meu nariz e votar "sim" - disse ele, sorrindo.