Título: Crise dá tranco nas empresas
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 04/10/2008, Economia, p. 33

Turbulência atinge mais exportadores e bancos travam crédito. Bovespa cai 3,53% e dólar sobe 1,14%, para R$2,046.

Agrave crise que está sacudindo os mercados em todo o mundo acabou surpreendendo pela forma como está atingindo empresas e bancos brasileiros. Ontem, a Aracruz Celulose anunciou prejuízo de R$1,95 bilhão com operações no mercado futuro de dólar (em que o investidor aposta na cotação do dólar em determinada data) em volume acima do que era necessário para a companhia se proteger de variações da moeda. Em outra frente, a crise levou os bancos grandes a bloquearem o acesso a crédito para bancos pequenos e médios, o que fez o Banco Central, anteontem, afrouxar de novo o compulsório para liberar dinheiro.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou que haja instituições com problemas de solvência:

- Quero deixar claro que não há problemas de solvência, mas de liquidez nessa fase crítica. Se você recompuser a liquidez, fica tudo bem. Não há ativos podres - disse.

Os papéis da Aracruz despencaram 24,8%, para R$4,85, a maior queda desde março de 1990, e puxaram os de outras exportadoras. As ações de bancos também sofreram. O temor é de que a crise de liquidez seque os recursos destinados para empréstimos e financiamos destinados aos consumidores e às empresas. Os papéis do Unibanco caíram 10,08%. As ações PN de Bradesco e Itaú caíram 5,03% e 7,1%, respectivamente, enquanto as ON do Banco do Brasil recuaram 6,4%.

- Embora os bancos aqui não estejam diretamente ligados ao subprime, o mercado perde a razão e, no meio da crise, acaba penalizando tudo - disse Doll Lemos.

Em um dia marcado pela volatilidade, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), oscilou ontem entre alta de 4,18% e queda de 4,30%. No fim do dia, o indicador fechou com perdas de 3,53%, aos 44.517 pontos, o menor nível desde 28 de março de 2007. Já o dólar se manteve pressionado, pressionado por operações de empresas no mercado futuro. A moeda subiu 1,14%, para R$2,046, a maior cotação desde agosto do ano passado.

Para o economista-chefe da Ágora Corretora, Álvaro Bandeira, "o mercado está sem parâmetro". De manhã, a alta foi provocada pela expectativa da aprovação, no Congresso dos EUA, do pacote de socorro a bancos americanos. Assim que o governo reuniu votos suficientes para que o plano passasse, a Bolsa começou a cair.

- Existe a máxima "comprar no boato e vender no fato", mas não acho que tenha acontecido isso. Se a situação estivesse boa, não haveria motivos para vender. Acontece que há muitas incertezas sobre o desaquecimento das economias americana e européia, e sobre como será a aplicação do pacote de socorro aos bancos - disse Bandeira.

Em comunicado, a Aracruz informou que as operações no mercado futuro têm prazo de 12 meses, mas provocarão prejuízo contábil já no terceiro trimestre, já que a empresa precisa fazer provisões destas perdas. Informou ainda que a explosão do dólar elevará a dívida da empresa em cerca de R$330 milhões no terceiro trimestre. A companhia diz que exportou em 2007 US$2,1 bilhões. As agências de risco Standard & Poor"s e Moody"s estão revisando as notas da companhia, podendo rebaixá-las.

Lula não quer passar insegurança

"Ainda que não exista impacto imediato no caixa da Aracruz, uma vez que a liquidação financeira da grande maioria dos contratos de derivativos ocorrerá nos próximos doze meses, o fluxo de caixa da empresa será impactado caso a taxa de câmbio permaneça desfavorável para os contratos de derivativos", afirmou o vice-presidente analista sênior da Moody"s Richard Sippli, em nota.

A notícia do prejuízo puxou também as ações preferenciais da Votorantim Celulose e Papel, que caíram 10,71%. No mês passado, ambas as companhias anunciaram uma fusão.

As exportadoras, que têm receita em dólar, utilizam o mercado futuro, negociado na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), para se protegerem contra oscilações da moeda no futuro. Muitas delas acreditavam na queda da cotação, acabaram apostando alto no mercado futuro e foram surpreendidas pela forte desvalorização do real. Foi o caso da Sadia, que na semana passada divulgou perdas de R$760 milhões com derivativos de câmbio. As suas ações caíram 36,5% desde então.

O receio de que outras exportadoras divulguem perdas está derrubando os papéis, apesar de muitas companhias terem vindo a mercado afirmar que não faziam esse tipo de operação a níveis elevados (de risco). Ontem, foram destaque de queda na Bolsa as ações ordinárias (ON) de JBS (-11,61%), CSN (-3,48%) e as preferencias de Vale (-1,49%) e Gerdau (-3,91%).

- O mercado não esperava perdas tão grandes da Aracruz. Agora, é esperar a divulgação de balanços para ver como ficaram as outras empresas - disse o analista da Socopa Corretora Paulista Daniel Doll Lemos.

O presidente Lula alertou aos ministros, em especial os da área econômica, que o governo deve ter uma postura ponderada diante da crise, passar a impressão de que não considera grave o problema e nem passar insegurança a investidores ou à população. O recado representa mudança de posição do governo, que há poucos dias vinha optando por um discurso otimista, de que o Brasil estava totalmente protegido. Em reunião com os ministros, anteontem, Lula pediu que a equipe não tome medidas precipitadas.

- A posição do presidente foi a seguinte: não devemos ter uma posição arrogante, como se a crise não existisse, e nem passar qualquer manifestação de insegurança. A situação no Brasil é boa, sustentável - disse Tarso Genro ao GLOBO.

COLABOROU: Cristiane Jungblut, enviada especial a Porto Alegre

CRISE AFETA BANCOS, na página 34

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