Título: O cobertor curto da segurança
Autor: Werneck, Antônio e Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 05/10/2008, Rio, p. 33

Para acabar com déficit na tropa, PM gastaria mais R$281 milhões ao ano.

Em segredo e a toque de caixa, a cúpula da Polícia Militar está finalizando um estudo para pôr nas ruas mil homens que estão trabalhando internamente. A reengenharia já começou e deverá ficar pronta no início do próximo ano. Mas todo esse esforço parece pouco diante do déficit da corporação: a PM precisa de dez mil homens imediatamente, para atuar no combate à violência e no patrulhamento ostensivo, a fim de conter os roubos em ônibus e de celulares, além dos assaltos a pedestres, revelou o delegado da Polícia Federal Roberto Sá, subsecretário operacional da Secretaria de Segurança.

Para formar tantos policiais, os problemas são grandes também: uma conta feita pelo GLOBO revela que o impacto na folha do estado com a contratação de dez mil homens chegaria a R$281 milhões por ano. Isso levando em conta apenas a média do salário pago a um PM. A corporação tem hoje cerca de 38 mil homens, cujos salários custam mensalmente R$89 milhões. Isso dá uma média de R$2.343 por policial.

Vale lembrar que um aumento do efetivo não implica apenas gastos com salários. Há uma série de variáveis, custos diretos e indiretos, difíceis de calcular, mas que podem aumentar em até 30% o valor da contratação.

Pedra no sapato das autoridades de segurança do Rio, os chamados roubos contra a pessoa são os que mais preocupam em todo o estado. Segundo estatística do Instituto de Segurança Pública (ISP) feita com base nos registros de ocorrência, cresceram em junho deste ano, em comparação com o mesmo mês do ano passado, os roubos de celulares (728 contra 648) e os assaltos a pedestres (5.548 contra 5.080). O roubo de veículo caiu: foram registrados 2.131 casos em junho deste ano contra 5.588 no mesmo mês de 2007.

O PM do Rio é formado no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cefap), onde passa quatro meses em média fazendo curso de instrução policial, preparação física, noções de psicologia, aplicação de direitos humanos, direito penal e defesa pessoal. Antes de sair às ruas, dá 30 tiros em média, em várias posições. Ele precisa ter apenas o ensino médio. Apesar de reiterados pedidos, a PM não informou ao GLOBO quanto gasta com essa formação.

Formação de oficiais é mais cara que a de praças em Minas

Uma pesquisa do professor e antropólogo Claudio Beato, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais, descobriu que a PM mineira historicamente gasta muito mais formando oficiais do que praças. Segundo o estudo, cujos resultados foram publicados no artigo "Reinventando a polícia: um programa de policiamento comunitário", em nove meses de curso, um soldado da PM de Minas custava ao governo R$4.614,45. O cálculo foi feito levando-se em conta despesas com vencimentos, honorários-aula e fardamento. O oficial formado em quatro anos custava ao estado R$39.270,20.

- Como podemos observar, o custo de formação dos níveis mais baixos da corporação são inferiores aos dos níveis superiores. Eu defendo uma inversão - disse Beato.

Na semana passada, o governo estadual do Rio encaminhou à Assembléia Legislativa os projetos de lei do orçamento anual para 2009 e da revisão do plano plurianual. O orçamento tem valor global 17% maior do que o proposto para 2008. Houve aumento de R$39,8 bilhões para R$46,6 bilhões. A previsão é de gastos maiores nas áreas consideradas prioritárias pelo governo. O valor destinado à segurança pública, por exemplo, pulou de R$3,421 bilhões para R$4,062 bilhões (mais 18,7%). Durante o Pan-Americano de 2007, os governos federal, estadual e municipal investiram cerca de R$1,5 bilhão em segurança na cidade do Rio. O dinheiro foi gasto com obras, compra de equipamentos e pagamento de pessoal, entre outros itens.

"É imprescindível que exista um sistema de ensino profissional"

A antropóloga Ana Paula Miranda, vice-diretora acadêmica do Instituto Universitário de Políticas de Segurança e Ciências Policiais, da Universidade Candido Mendes, também chama a atenção para a formação do PM. Segundo ela, fala-se em aumento de efetivo, mas não da formação, "um tema negligenciado durante vários anos e que apenas recentemente se tornou parte da agenda nacional, devido ao agravamento dos problemas na área de segurança pública e à insatisfação popular com a qualidade dos serviços prestados":

- Para mudar esse cenário, é imprescindível que exista um sistema de ensino profissional, que valorize de forma eqüitativa o acesso aos conhecimentos teóricos e práticos necessários. Isso para que o policial possa exercer sua capacidade de compreensão e interpretação da realidade, ressaltando sua autonomia no processo decisório, respeitando os princípios de uma sociedade democrática.

Beato chama a atenção para outro detalhe. Segundo ele, "estudos sobre as polícias brasileiras padecem do mesmo mal: é mais fácil deplorá-las que estudá-las". O antropólogo diz que são abundantes os relatos de abusos, brutalidades, violações graves dos direitos humanos e ineficiência.

- Corrupção, extorsões, execuções, chacinas e envolvimento com a criminalidade organizada compõem o espetáculo de misérias protagonizado pelas nossas polícias. Algumas delas têm índices extremamente elevados de letalidade, quando comparados aos de polícias de outros países.

O antropólogo mineiro lembra que, diante desse quadro desolador, a angustiante questão que se coloca é: "Existe vida sob esses escombros?":

- Nossa resposta é que esse retrato sombrio oculta também nossa dificuldade em obter uma visão mais ampla do problema policial no Brasil.

oglobo.com.br/rio

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