Título: A segunda onda
Autor: Simão, Edna ; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2009, Economia, p. 12

Presidente do Banco Central afirma que as próximas vítimas da crise serão os países emergentes. Segundo ele, as reservas devem salvar o Brasil

-------------------------------------------------------------------------------- Edna Simão, Luciano Pires e Vicente Nunes Da equipe do Correio Gustavo Moreno/Esp. CB/D.A Press - 21/10/08 Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, acredita que o principal foco dos problemas está nos países do leste europeu, dependentes de crédito imobiliário A crise que empurrou as maiores economias do mundo para o buraco terá uma segunda onda mais cedo do que se prevê. E, desta vez, o epicentro do terremoto será nos países emergentes. Foi o que alertou ontem o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao traçar, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (o Conselhão), um perfil das atuais turbulências e as consequências que estão por vir. ¿Não temos dúvida de que a segunda rodada da crise será nos países em desenvolvimento¿, afirmou.

Segundo ele, o foco principal dos problemas está nos países do Leste Europeu (República Tcheca, Polônia e Hungria, entre outros), que cresciam a um ritmo veloz com base em empréstimos em euros para o setor habitacional. Como a fonte de recursos secou, diante do colapso dos bancos europeus, uma onda de calote se espalhou por esses países. O risco é de que eles deixem de honrar seus compromissos com os bancos, o que arruinará ainda mais o já estraçalhado sistema financeiro europeu.

Para piorar, os países do Leste Europeu vinham acumulando rombos crescentes nas suas contas externas, o que não era problema quando havia fartura de capital. Mas, com o fluxo de dinheiro restrito e sem reservas, não conseguem mais se financiar. Uma das saídas para tentar amenizar esses problemas seria a desvalorização de suas moedas. Mas isso encareceria ainda mais os financiamentos habitacionais em euros, ampliando os calotes.

Outro foco de pressão está na América Central e no Caribe. A maioria dos países dessas regiões não tem sistema bancário próprio. As instituições são americanas ou europeias. E, para cobrir os buracos em suas matrizes, vêm tirando o que podem de onde ainda acumulam ganhos. Resultado: esses países estão ficando sem linhas de crédito básicas, como as voltadas à exportação. ¿Infelizmente, esses países vinham se beneficiando de um modelo que explodiu¿, disse Otaviano Canuto, que assumirá, em abril, a vice-presidência de Redução da Pobreza e de Gestão Econômica do Banco Mundial.

Na avaliação de Meirelles, se a segunda onda de crise se consolidar, a escassez de crédito no mundo será ainda maior e a corrente de comércio tende a encolher, provocando um tombo monumental na economia global. ¿Felizmente, o Brasil está em uma situação melhor entre os emergentes, pois tem reservas para suprir a escassez de crédito internacional e políticas econômicas consistentes¿, assinalou. Para Otaviano Canuto, no entanto, essa ¿solidez¿ não será suficiente para livrar o Brasil de um novo ¿ e mais grave ¿ choque, se a Europa demorar para socorrer os países do Leste e a ¿tal segunda onda¿ engolfar os emergentes.

Vizinhos no limbo Canuto chamou a atenção para os problemas que estão à espreita de vizinhos importantes do Brasil, como a Argentina e a Venezuela. A seu ver, se o setor agrícola continuar com problemas e os preços das commodities (mercadorias com cotação internacional) permanecerem baixos, a Argentina sucumbirá em 2010. Já a Venezuela tende a afundar por ter uma economia sustentada pelo petróleo, cujas cotações desabaram.

¿Se a crise dos emergentes se confirmar, o Brasil verá os investimentos estrangeiros diminuírem ainda mais, assim como suas exportações, atrasando a retomada do crescimento¿, destacou Canuto. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, apesar da escassez atual de recursos estrangeiros, o Brasil manteve sua poupança externa quase intacta, somando atualmente US$ 199 bilhões. As injeções líquidas feitas pelo BC desde setembro de 2008 somaram US$ 27,4 bilhões. No mercado à vista, foram vendidos US$ 14,5 bilhões. Meirelles informou que a segunda onda da crise será o tema principal do encontro do G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, marcado para 2 de abril em Londres.

-------------------------------------------------------------------------------- Proteção limitada

A crise que bate à porta dos países emergentes vai mostrar que o ¿ufanismo¿ do governo, alardeando a ¿solidez¿ da economia brasileira em meio à crise, não passa de retórica, segundo a avaliação do economista Jan Kregel, ex-chefe da Área de Desenvolvimento e Análise Política da Organização das Nações Unidas (ONU). ¿Todos os fatores que contribuíram para que o Brasil construíssem o que apresenta como vantagens não estão mais presentes na nova ordem mundial¿, afirmou.

Para ele, as reservas cambiais brasileiras atingiram os US$ 200 bilhões devido à fartura de investimentos estrangeiros diretos, aos fluxos maciços para os mercados financeiros e aos expressivos aumentos das commodities. ¿Esse quadro mudou por completo¿, disse Kregel. Ele destacou ainda que não há como contar com a China para a recuperação dos preços das commodities enquanto a economia dos Estados Unidos não sair do buraco.

Na avaliação do ex-funcionário da ONU, o Brasil convive com ¿anomalias¿, como as altas taxas de juros e o fato de o mercado de capitais funcionar quase que exclusivamente por meio da intervenção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, o ajuste fiscal é precário, construído em cima do aumento da arrecadação, que está em queda, e não por meio de corte de gastos. Pouco antes de Kregel expor a sua visão sobre o Brasil, tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, trataram de difundir a mensagem de que o país está fortalecido e será um dos primeiros a sair da crise.

Meirelles usou sua participação no seminário promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, para rebater as críticas de empresários e sindicalistas contra a taxa básica de juros, que está em 12,75% ao ano. O presidente do BC afirmou que o melhor é olhar os juros dos mercados futuros. Nos contratos de 360 dias, a taxa real (que desconta a inflação) tem variado entre 5% e 6%, o menor patamar da história. Sobre a pressão para uma queda mais acelerada da Selic, ele foi enfático: ¿Não conseguiremos nada agindo com irresponsabilidade, atitudes impensadas e demagogia de curto prazo. A responsabilidade envolve queda gradual. Fiquem tranquilos. Vamos manter esse mesmo nível de responsabilidade¿, avisou. (ES, LP e VN)

-------------------------------------------------------------------------------- China derruba bolsas

Da Redação

A expectativa de uma ampliação do plano de recuperação da China animou os mercados anteontem e foi responsável pela derrocada das bolsas de valores ontem. O aguardado discurso do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, não acrescentou nada ao programa prometido em novembro passado, no valor de US$ 585 bilhões. Decepcionados, os investidores se voltaram para as más notícias na Europa e as preocupações com a saúde financeira dos bancos e da montadora de veículos GM. O resultado foi o fechamento das principais bolsas do mundo no vermelho.

Em Nova York, o índice Dow Jones recuou 4,09% e o S&P 500, 4,25%. Ambos atingiram o nível mais baixo de pontuação desde abril de 1997. O Nasdaq retrocedeu 4%, no pior resultado em cinco anos. As ações do banco Citigroup caíram 9,73%, sendo negociadas abaixo de US$ 1 pela primeira vez. O valor dos papéis da GM, que admitiu recorrer à lei de falências para se recuperar, encolheu 15,45%. O tombo na Europa também foi grande: Londres (-3,18%), Paris (-3,96%) e Frankfurt (-5,02%). A bolsa de São Paulo acompanhou o mau humor. Depois de atingir uma mínima de -3,72%, fechou em baixa de 2,69%, aos 37.368 pontos e volume financeiro de R$ 3,44 bilhões.