Título: Blindagem contra a marola
Autor: Galhardo, Ricardo; Oliveira, Elane
Fonte: O Globo, 06/10/2008, Economia, p. 39
Lula leva ao Congresso as ações do governo para conter efeitos da crise no país.
Um dia depois de minimizar os efeitos da turbulência financeira internacional, afirmando que, se chegar ao Brasil, será uma "marola", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que vai envolver o Congresso nas decisões que tomará para enfrentar os possíveis efeitos da crise americana no país. Lula afirmou que os líderes de partido no Congresso serão informados, logo após as eleições, sobre as ações do governo para evitar a contaminação da economia brasileira. O presidente também se prepara para blindar o governo de ataques da oposição. Para tanto, convocou os líderes da base aliada para uma reunião hoje. Com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, pretende explicar aos parlamentares como está o quadro, que medidas estão sendo tomadas e de que forma o Brasil está agindo para enfrentar o enxugamento do crédito e uma possível recessão mundial.
- Queremos que esse tema da crise seja levado ao Congresso para que as pessoas percebam que o país não corre risco, mas não podemos vacilar. A crise americana já consumiu US$850 bilhões do povo dos EUA para tapar buracos dos banqueiros que faziam agiotagem com dinheiro público - disse Lula, após votar em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Segundo Lula, as prioridades do governo na agenda do Congresso serão as votações de políticas e reformas consideradas essenciais:
- Primeiro, temos que preparar as votações importantes que teremos até o fim do ano. Temos a política tributária e a política de salário mínimo que precisam ser votadas.
Lula afirmou que a crise não vai afetar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e anunciou para março a licitação para a execução do trem-bala Rio-São Paulo.
- Vamos licitar o trem-bala em março para mostrar que sabemos lidar com a crise, porque nos precavemos. Fizemos a lição de casa quando era preciso e agora temos reservas para enfrentar esta e outras crises.
Apesar de Lula dizer que os efeitos da crise americana no Brasil serão pequenos, na avaliação do governo o risco é a redução do crédito para os exportadores.
- Mas isso podemos resolver com o dinheiro que temos - disse.
Dilma: efeito é uma "pequenininha gripe"
De acordo com uma fonte ligada ao presidente da República, a idéia da reunião com líderes é dar uma "blindagem política" ao governo e preparar deputados e senadores para defender possíveis medidas que tiverem de ser enviadas ao Congresso, para garantir o crescimento e os investimentos em infra-estrutura, com ênfase no PAC.
- Nesses momentos de crise, está cheio de sanguessugas na oposição, torcendo pela desgraça - disse o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS).
Os debates ocorrerão em reunião do conselho político. No fim de semana, líderes reclamavam da data da convocação, pois queriam ficar nos estados na apuração dos votos. O ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, disse que a opção por hoje foi uma questão de prudência, "antes que proliferem as conversas no Congresso". Além disso, amanhã Mantega viajará para os EUA, onde ficará uma semana e está prevista uma viagem de Lula para a África.
- Vamos falar sobre a crise, explicar o que está acontecendo. Mas não estão descartados outros assuntos - disse o ministro, referindo-se às eleições municipais.
Para Albuquerque, um tema de peso é como ficará a proposta orçamentária, que precisa ser revista com a perspectiva de um menor crescimento da economia. Já o líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), disse que os parlamentares precisam de informações.
Após votar em Anápolis (GO), Henrique Meirelles afirmou que os grandes bancos brasileiros têm interesse em comprar a carteira de crédito das instituições menores, embora tenha se esquivado em responder diretamente se há risco de algum banco quebrar. Decisão tomada pelo BC na quinta-feira - que alterou o compulsório para permitir esse tipo de operação - aumentou os rumores no mercado de que bancos pequenos estariam com dificuldades:
- O BC tomou decisão importante, liberando compulsórios depositados no banco, exclusivamente para aplicação de bancos menores. Esses bancos têm boas carteiras de crédito e totais condições de vender suas carteiras, pois os bancos grandes têm interesse de comprar. A crise externa é produto de maus créditos feitos pelos bancos. No Brasil, a performance de créditos e o índice de adimplência estão ainda em um nível saudável.
Em Porto Alegre, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que o Brasil tem robustez para enfrentar a turbulência internacional:
- Temos condições de assegurar o crédito interno. Vamos ter problemas momentâneos, mas temos robustez para superar essa imensa fase de contágio com uma pequenininha gripe.
(*) Enviada especial a Anápolis, com colaboração de Cristiane Jungblut, enviada especial a Porto Alegre