Título: Não devemos subestimar a crise, nem a capacidade de o Brasil reagir
Autor: Duarte, Patrícia; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 06/10/2008, Economia, p. 40

Secretário do Tesouro Nacional não vê problemas para dívida pública do país.

Com o dólar a R$2 e a bolsa despencando 7%, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, demonstrava tranqüilidade na última quinta-feira em Brasília, embora admitisse que a situação não é para brincadeira. E que o momento era para agir. Ao mesmo tempo em que dizia que conseguia rolar os papéis do país num ambiente com bem menos liquidez e preços mais caros, Augustin já indicava que o mercado começou a ver crescimento econômico menor devido à crise. "O mercado passou a avaliar o efeito possível de uma desaceleração nas próprias taxas (de juros), do mundo e do Brasil", disse. O secretário assegurou que a situação fiscal está razoável e que não faltará crédito, mas admitiu preocupação diante do atual cenário. Ontem, em plena atividade de cabo eleitoral da candidata do PT à prefeitura de Porto Alegre, Maria do Rosário, Augustin disse que a equipe econômica está monitorando diariamente a crise e que o objetivo é evitar que a recessão externa atinja o Brasil, ou, ao menos, garantir que atinja na menor intensidade possível.

Patrícia Duarte, Henrique Gomes Batista e Cristiane Jungblut

O pior já passou?

ARNO AUGUSTIN: A crise internacional tem mostrado uma dureza muito grande, não é fácil prever como vai evoluir. Por outro lado, o Brasil tem mostrado grande solidez. Não devemos subestimar nem o tamanho da crise, nem a capacidade do Brasil de reagir.

A dívida do setor privado sofre mais nesta crise?

AUGUSTIN: O setor empresarial reivindica mais crédito porque não quer parar de crescer. Olhe os problemas que temos: dar funding (capacidade de pagamento) ao BNDES, manter o crescimento.

Como afeta o Tesouro?

AUGUSTIN: Estamos dentro do Plano Anual de Financiamento (PAF), os dados de agosto da dívida estão na meta. O vencimento da dívida em 12 meses está acima da banda mínima. Estamos tranqüilos.

Há dificuldade para rolar a dívida pública?

AUGUSTIN: No ano, o vencimento é de R$400 bilhões e temos ainda R$30 bilhões a vencer. Não há necessidade de rolagem significativa. Vemos a crise internacional com preocupação. Felizmente, do ponto de vista da rolagem, não há razão para angústia adicional. No estresse recente do mercado, não tivemos que cancelar um único leilão de títulos públicos.

Esses R$30 bilhões serão rolados em 2008?

AUGUSTIN: Nós faremos nossos leilões normalmente, como hoje (quinta-feira).

Aumentaram os custos?

AUGUSTIN: O leilão de títulos prefixados foi bem positivo, quase tudo ofertado foi vendido. As taxas foram menores do que as da semana passada.

O mercado tentou elevar muito as taxas?

AUGUSTIN: O nosso plano é não sancionar - e não sancionamos - (taxas) quando avaliamos que aquilo que o mercado está solicitando naquele momento é demasiado. Então, fazemos um leilão mais curto. Isso aconteceu nas últimas semanas. Como temos tranqüilidade, só vamos aceitar o que é razoável. Está ruim? Está volátil? Esperamos até a outra semana.

Por que a situação está melhor do que se poderia esperar?

AUGUSTIN: Há muito tempo o Tesouro tem estratégia de alongar vencimento, ter nível prefixado mais alto, um perfil de dívida com menor risco.

E o efeito do dólar na dívida?

AUGUSTIN: A nossa dívida cambial hoje é de 7,25% do total, dado de agosto. Ou seja, o Brasil não tem impacto de câmbio.

Está ainda entre três e cinco meses o chamado "colchão" da dívida, tempo pelo qual o Tesouro pode não emitir títulos?

AUGUSTIN: Essa sempre é nossa política, não mudou e não pretendemos mudar.

O que esperar de 2009?

AUGUSTIN: Em 2009, iremos manter a política de gerenciamento da dívida. Não vejo situação diferente ou pior.

O perfil da dívida melhorou nos últimos anos. Este espaço diminuiu com a crise?

AUGUSTIN: É verdade, assim como a necessidade de melhorar é menor, ou seja, estamos muito próximos do razoável.

Como se comporta o custo da dívida no país?

AUGUSTIN: Até o momento, não vemos exagero. Até porque o mercado passou a avaliar o efeito possível de uma desaceleração nas próprias taxas (de juros), do mundo e do Brasil.

O Brasil vai manter seu crescimento diante disso?

AUGUSTIN: Obviamente, há um efeito recessivo que vem de fora, mas vamos trabalhar para que não ocorra no Brasil, ou ocorra com a menor intensidade possível. Um instrumento do governo para isso é o crédito. Já estamos fazendo um aporte ao BNDES, e esperamos manter o crescimento nos patamares do PAC, em torno de 5%.

Dá para manter a meta do ministro Guido Mantega de déficit nominal zero em 2010?

AUGUSTIN: Continuamos trabalhando com ela. Até agosto, o governo federal está com superávit nominal. A previsão da relação dívida/PIB para o fim de 2008 era de 41,4%, e já estamos em 40,5%. A vida tem sido melhor do que as previsões.

O governo reduzirá gastos?

AUGUSTIN: O governo já reduziu o gasto público. Os relatórios fiscais de janeiro a agosto mostram superávit nominal, 1% a menos de crescimento da despesa pública federal em relação ao PIB nominal.