Título: Lula admite cortar investimentos se crise piorar
Autor: Jungblut, Cristiane; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 11/10/2008, Economia, p. 37
Presidente muda de tom sobre o Natal: recomenda comprar o que se sonha e, depois, só o que cabe no salário.
BRASÍLIA e SÃO PAULO. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em entrevista a portais de notícias em Brasília, que, se tiver que agir e até mesmo cortar investimentos, não vai hesitar, embora não acredite nisso. Mesmo assim, garantiu as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inclusive os investimentos da Petrobras:
- Na medida em que essa crise chegar ao Brasil e tiver implicação na diminuição dos investimentos, ou o governo for obrigado a diminuir os investimentos, com a mesma serenidade com que estou dizendo que o Brasil está em um momento bom eu vou dizer: "Companheiros, amigos e amigas, a situação está se agravando e nós vamos ter que fazer isso, fazer aquilo, e anunciar as medidas".
Sobre o consumo no fim de ano, Lula mudou o tom ao longo do dia, e, após otimismo total, acabou mostrando cautela. Na entrevista aos portais, de manhã, garantiu que os brasileiros terão um Natal "extraordinário". Ele defendeu que sua postura otimista - classificada de "Poliana" pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - é o papel que deve ser exercido pelo mandatário do país:
- Continuo otimista que nós vamos ter um Natal extraordinário no Brasil. Precisamos nos preparar para comprar tudo aquilo que a gente sonha comprar no Natal e torcer para que o Ano Novo seja infinitamente melhor.
À tarde, em discurso para empresários brasileiros e americanos e autoridades dos EUA, em São Paulo, Lula recomendou parcimônia:
- Comprem apenas aquilo que seu salário pode pagar, não comprem mais, apenas o suficiente, porque estou convencido de que a crise é grave, mas ela é uma oportunidade para quem agiu com seriedade como nós agimos.
Aos portais, Lula afirmou que está acompanhando a crise com "lupa", mas que o Brasil ainda não foi afetado. Voltou a dizer que não fará pacotes econômicos, optando por medidas pontuais:
- No Brasil, ainda não temos nenhum grande projeto que tenha sofrido qualquer arranhão. A crise é a maior de todas, mas o Brasil está preparado. Se chegar aqui, não terá os efeitos que já provocou nos Estados Unidos e na Europa. É como se tivéssemos tomado uma vacina contra uma doença.
O presidente afirmou que a falta de prudência pode trazer prejuízos ao Brasil:
- Meu papel é passar serenidade para a sociedade brasileira. Uma vez, morreu uma galinha em Marília (São Paulo) e já disseram que era a gripe aviária. O Brasil passou a vender menos frango.
O presidente reafirmou que o sistema bancário brasileiro é sólido e enfrenta apenas falta de liquidez global.
- Se alguém não estiver bem, é como boletim de escola de menino: uma hora a nota ruim vai aparecer - afirmou, acrescentando que o governo só vai garantir "as contas de quem tem o dinheiro no banco".
A inédita turbulência internacional demonstra, na avaliação do presidente, que se criou uma economia virtual - "É só papel, papel, papel" - e que são necessárias regras comuns para evitar a "alavancagem de empréstimos", com o objetivo de evitar a especulação desenfreada:
- No Brasil, a alavancagem normalmente fica entre nove e dez vezes (o patrimônio). Nos EUA, chegou a 35 vezes. Os bancos centrais, o FMI, o Banco Mundial, todos aqueles que podem ter interferência precisam começar a bater bumbo nessa direção, para que a gente normatize.
Banco não tem de trabalhar no "submundo da especulação"
Em São Paulo, Lula repetiu que o país está blindado para enfrentar a crise - "mais preparado do que qualquer país" - e que não vende catástrofes quando não as vê:
- Trabalhando sério e à luz do dia, a atividade bancária já é rentável. Não precisa trabalhar no submundo da especulação. A era do domínio da economia virtual acabou.
Segundo Lula, é chegada a hora da política:
- É preciso adotar medidas regulatórias para abater a anarquia que se instalou sobre a economia mundial.
Ainda como se estivesse dando um puxão de orelhas nos responsáveis pela crise, Lula disse que os países pobres e os trabalhadores não podem pagar pelos "desacertos" que poucos fizeram no mundo.
Lula admitiu que não sabe a extensão e a duração da crise. Mas afirmou que o país está preparado para financiar as exportações e o crescimento. Também disse que o BNDES estará pronto para garantir recursos às empresas que não puderem captar no exterior:
- Se for preciso, vou viajar o mundo procurando meus amigos, para ver quem tem dinheiro para emprestar para um bom pagador - brincou.