Título: Se precisar, vamos enfiar a faca
Autor: Doca, Geralda; Fadul, Sergio
Fonte: O Globo, 12/10/2008, Economia, p. 33

Ministro diz que crise pode fazer governo cortar gastos e adiar programas sociais.

BRASÍLIA. Responsável pelo Orçamento da União, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admite que a crise global poderá levar o governo a rever seus planos de investimento e até alguns programas sociais. Ele afirma que isso ainda não é certo e que qualquer previsão hoje é puro chute. Mas, diante do agravamento da crise e do risco cada vez maior de o Brasil ser atingido mais fortemente, o ministro toca num ponto sensível para o governo e afirma que, se preciso, "vai enfiar a faca" e cortar todos os investimentos fora do PAC. Para programas sociais, a receita será parecida. Os atuais serão mantidos a todo custo e ficarão fora do sacrifício, mas novos poderão ser adiados.

Geralda Doca e Sergio Fadul

A crise chegou a um ponto que assusta o governo?

PAULO BERNARDO: O governo não pode ir atrás da boataria do mercado. Temos de ver para onde as coisas estão caminhando e o que podemos fazer para interferir. Ter força e fôlego para interromper a trajetória da crise, não temos. Temos que tentar minimizar efeitos. O que está resolvendo não são as medidas tomadas, apesar de elas serem importantes. São as medidas que tomamos há seis anos, se não tivéssemos os US$200 bilhões de reserva... nós tínhamos 34% da dívida doméstica indexada ao dólar... O que o governo fez nos últimos seis anos está nos protegendo. Não acredito que essa crise seja suficiente para desmanchar (as conquistas). Vai nos causar problemas? Vai. Em que medida? Não sabemos e ninguém sabe. Quem falar que sabe está chutando. Se o governo começar a repetir as coisas que o mercado diz, vai jogar gasolina no fogo.

O senhor está no time da marolinha ou do tsunami?

PAULO BERNARDO: Os EUA vão sair da crise na frente. Vão trocar o governo e a crise de confiança lá pode se esvanecer. Calma... deixa a marolinha chegar aqui primeiro.

Há consenso de que a crise provocará desaquecimento da economia, e isso vai se refletir numa menor arrecadação. Isso não compromete investimentos, reajustes de salários programados e gastos?

PAULO BERNARDO: É verdade. Tudo isso combinado vai exigir respostas que vamos ter que medir e pôr em prática. Digamos que tenha um desaquecimento. Parece razoável. Mas será de quanto? Quanto vai diminuir o crescimento e, conseqüentemente, a arrecadação? Temos firmado no governo, desde o ano passado, o que precisaremos fazer se houver menos recursos. Vamos cortar tudo o que não estiver no PAC, não vamos cortar programas sociais, podemos postergar a implementação de alguns programas, mas vamos preservar o que for essencial. O restante, o que tiver que cortar, vamos cortar se não tiver dinheiro. Se precisar enfiar a faca para equilibrar o orçamento, vamos fazer.

O reajuste do salário mínimo e dos servidores poderá ser afetado?

PAULO BERNARDO: Reajuste é despesa corrente e não tem nada a ver com área social. Por enquanto, não temos motivos para mudar. Nós fizemos reajustes achando que isso está resolvido até 2011. Não tem a menor condição de falar em reajuste (para outros servidores) neste governo. A política de valorização do salário mínimo ajudou a puxar o mercado interno, foi um dos motores do crescimento. Todos suspeitam que pode ter uma desaceleração e vamos derrubar o mercado interno? Os bancos centrais estão baixando os juros, o FMI dizendo que os EUA têm que pôr dinheiro na economia. Se estamos com medo de recessão, como podemos arrochar mais? Para desacelerar mais?

Se a crise persistir, o governo poderá ser obrigado a fazer um corte de gastos. Já se trabalha com um novo cenário para o Orçamento?

PAULO BERNARDO: Por que vou ficar discutindo isso hoje se eu não tenho nada... quanto vai ficar o dólar? Essa análise precisa ser mais serena. Antes de novembro não temos condições. Quem comprova hoje que o crescimento e a receita vão cair? Não podemos trabalhar desse jeito, se fôssemos nos guiar pelos boatos, cada dia o governo ia fazer uma coisa diferente. Quando o Congresso aprovou o Orçamento este ano? Em abril. Para que eu vou correr atrás? Acho que uma boa coisa é aprovar o Fundo Soberano, uma poupança que estamos fazendo neste ano em que vamos crescer 5% e podemos usar em 2010 e 2011 se o crescimento for menor. Até porque acho que em 2009 não vamos precisar. No ano que vem, vamos manter o esforço fiscal para fazer essa poupança. Além dos 3,8% do PIB, queremos fazer mais 0,5% para pôr no Fundo Soberano. Se acontecer de cair mesmo o crescimento da economia, você teria como compensar e garantir os investimentos com esse dinheiro.

Mas se cair o crescimento não fica mais complicado obter esses 0,5%?

PAULO BERNARDO: Posso gastar o que eu já fiz. Continuo apostando que em 2009 teremos condições de fazer de novo.

O FMI prevê que o mundo vai entrar em recessão. O senhor concorda?

PAULO BERNARDO: Será? Acho que corre o risco de entrar em recessão. Tenho claro que quem vai sair primeiro dessa crise serão os Estados Unidos porque têm mais flexibilidade, mais alavancagem, são pragmáticos e votam as coisas com mais facilidade. Os dólares que estão saindo do mundo inteiro estão indo para lá. Os investidores estão comprando títulos do Tesouro americano. Eles vão sair na frente da Europa e do Japão. Temos que nos habilitar para ter condições, se tiver efeito negativo, também para sair na frente. O Brasil vai ser um dos últimos a ter problema e tem que ser o primeiro a sair. Já que é inevitável, aparentemente, que a crise venha para cá.

O governo já mapeou os danos que a crise pode trazer?

PAULO BERNARDO: Temos que olhar o que está acontecendo, os efeitos aqui ainda são pequenos. A crise de confiança que está lá fora levando ao pânico aqui não é igual. Há problemas, temos que atuar, mas não é igual. O Brasil tem que saber se diferenciar. Não vamos parar os projetos do PAC, não vamos parar os principais projetos de investimentos do governo, não vamos deixar o BNDES sem funding para emprestar. A rigor, qual é o efeito na economia real? Até agora não sentimos nada, precisamos esperar mais um pouco. Se a falta de liquidez persistir vai estrangular várias empresas e aí teremos um problema grave.

Analistas estão revendo estimativas e já falam de crescimento em 2009 de apenas 2%...

PAULO BERNARDO: Como será de 2%? Se não tiver crescimento nenhum será 2,5%, todo mundo concorda com isso. Falam que o arrasto para 2009 pode chegar a 2,8%. Então, é quase matematicamente impossível esse número de 2%. Vai crescer 3,8%, 4%? Não sei. Apostamos em 4,5%, pode ser menos.

"Não sei se (o BC) vai cortar, mas com certeza não pode subir os juros"

Para ministro, bancos públicos podem lucrar com compra de carteiras

O Banco Central tomou uma série de providências nos últimos dias para acalmar os mercados no Brasil, mas uma ainda está sendo aguardada ansiosamente pelo governo: o que vai acontecer com os juros? O ministro Paulo Bernardo não vê motivos para que o BC continue a subir as taxas. Se todos estão imaginando que haverá desaquecimento da economia, diz, a pressão sobre a inflação vai diminuir. Ele também não crê que as empresas repassarão a alta do dólar para os preços. O ministro diz ainda que os bancos públicos estão preparados e orientados pelo governo a manter o mercado de crédito ativo. Ele avisa, porém, que a ação seguirá critérios: "Não é uma operação humanitária, é uma operação bancária."

O Copom deve reduzir os juros na próxima reunião?

PAULO BERNARDO: Não sei se vai cortar, mas acho que, com certeza, subir não vai porque a preocupação do BC, quando aumenta juros, é a inflação. E tudo indica que quando se tem ameaça de desaceleração, a pressão inflacionária diminui. Também não é razoável achar que as empresas vão repassar (alta do dólar para preços). Claramente, vai diminuir a pressão inflacionária, as commodities estão caindo, a demanda diminuiu.

Os bancos públicos serão usados como âncoras diante do aperto no crédito, comprando a carteira de crédito de bancos menores?

PAULO BERNARDO: Quando um banco compra a carteira de outro, está implícito que ele vai tirar o lucro que o banco pequeno ia ter. Não é uma operação humanitária, é uma operação bancária.

O governo vai dar um reforço financeiro para Banco do Brasil e Caixa, a exemplo da devolução de dividendos para o BNDES?

PAULO BERNARDO: Isso está sendo discutido só para o BNDES. O que precisamos no BB e na Caixa, que é política de governo, são as linhas de financiamento para agricultura, no caso do BB, e as linhas de financiamento para habitação e saneamento, no caso da Caixa. Se esses bancos têm liquidez para comprar a carteira de outros, isso é uma operação de mercado. O BNDES entrou, espero que temporariamente, no mercado de câmbio, exportação, oferecendo linhas de crédito, o que não é usualmente praticado por ele. Provavelmente, o BB vai crescer muito nisso também.

As medidas do BC para ajudar bancos médios e pequenos foram gradativas e crescentes. O estrangulamento de liquidez se acentuou?

PAULO BERNARDO: Primeiro as medidas foram para beneficiar o médio e o pequeno banco. Hoje, aparentemente, o BC percebeu que o problema de liquidez é mais generalizado. Mesmo os grandes bancos estão precisando ter mais facilidade para emprestar. O BC percebeu que havia falta de liquidez na demanda das empresas, problemas de giro. Eles trataram de dar condições de operacionalização para o sistema. Está sendo positivo. Isso associado com os leilões de dólares.

No câmbio, o BC também vem atuando de forma crescente, isso não é um sinal de agravamento da crise?

PAULO BERNARDO: Havia uma demanda muito grande. Na quarta-feira, o dólar abriu a R$2,46 e o BC identificou que só tinha gente querendo comprar e ninguém querendo vender. Houve um travamento das operações e o BC decidiu vender e isso ajudou o mercado. Na quinta-feira, o dólar fechou abaixo de R$2,20. Na quarta-feira, a avaliação do Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) era de que não iria ter tantos reais disponíveis para comprar todos os dólares. Quem estava comprando dólar a R$2,50 corre o risco de ter uma cotação de R$2,10 daqui a 20 dias. Acho que tem muito de pânico e de efeito manada. Se ficarmos só ouvindo essa boataria que vem do mercado, o mundo vai acabar.

Não são só boatos, os BCs estão fazendo ações coordenadas, os governos estão atuando em todo o mundo...

PAULO BERNARDO: Mas o mercado aumenta bem. E como talvez faltem informações precisas para ele, fica divulgando a tese na qual estão apostando.