Título: Entre efeitos negativos, alta da inflação
Autor: Barbosa, Flávia
Fonte: O Globo, 12/10/2008, Economia, p. 34

Governo calcula o impacto da crise em contas externas e dívida pública.

BRASÍLIA. Apesar das incertezas da crise global, o governo já mapeou os principais efeitos que ela terá para a economia brasileira. Inflação em alta no primeiro trimestre e expansão bem mais modesta do consumo, dos investimentos, da corrente de comércio e do Produto Interno Bruto (PIB) são considerados abalos inevitáveis.

A primeira variável-chave será a contração do crédito. Não se sabe quando os canais, no Brasil e no mundo, vão reabrir. Além disso, há um questão estrutural, que não depende de aversão ou disposição ao risco: os prejuízos contabilizados, as falências registradas e a fuga das bolsas significam efetivamente menos dinheiro no mundo.

Consumo das famílias também será afetado

Uma outra corrente de transmissão é o câmbio. O dólar, que em 1º de agosto valia R$1,559, fechou sexta-feira a R$2,312. O mercado ainda projeta oficialmente dólar a R$1,80 em dezembro, bem como o governo. Mas dificilmente o ano acaba com cotação consolidada abaixo de R$2, na previsão preliminar da equipe econômica.

Um dos efeitos disso atinge diretamente o bolso do consumidor: a inflação, devido aos importados. O governo aposta num repique, no primeiro trimestre, do IPCA, que orienta o sistema de metas e, conseqüentemente, a política de juros. Para objetivo de 4,5%, com dois pontos para mais ou menos, o IPCA está acumulado em 6,25%.

A desaceleração global reduzirá também o apetite dos países por bens industriais, matérias-primas e itens agrícolas, freando as exportações. O fortalecimento do dólar, por sua vez, vai encarecer as importações de produtos e matérias-primas. Com isso, a balança comercial será modesta. O mercado prevê queda de US$11 bilhões do saldo, para US$12,7 bilhões. O número, para o governo, pode ser menor.

Desaceleração do crédito, pé no freio da produção (gerando menos empregos e impedindo ganhos salariais) e inflação em alta vão segurar o ímpeto do consumidor. O consumo das famílias, que vem crescendo à taxa de 6,5%, não apresentará expansão superior a 5%.

Da mesma forma, os investimentos produtivos serão afetados, com adiamento de projetos. A compra de máquinas, peças e matéria-prima no exterior ficará menos vantajosa. De expansão de 16% hoje, a taxa de investimento crescerá, no máximo 10%, nas contas oficiais. O mercado aposta entre 6% e 8%.

Nesse cenário, o governo estabeleceu como meta garantir um crescimento de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, após taxas de 5,2% e 5,3% (previsão) em 2007 e 2008, respectivamente. O mercado acha este objetivo pouco factível: antes mesmo de ser possível mensurar o impacto da crise com precisão, acredita em PIB máximo de 3,5%.

O investimento estrangeiro direto (IED) - recursos destinados ao setor produtivo - acompanhará o movimento contracionista. A previsão de ingresso de US$30 bilhões em 2009 - após os US$35 bilhões esperados este ano - não parece, hoje, exeqüível ao governo.

Dos escombros, porém, emergem duas conseqüências positivas para a economia. Uma é a redução mais rápida da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), principal indicador de solvência. Esta já fechou setembro a 39% - o mercado projetava este nível para o fim de 2009. Como o país virou credor em dólares, quanto mais a moeda americana vale, mais o endividamento federal cai. Outro impacto é o ajuste das contas externas, que viveu processo de rápida deterioração, passando de um superávit de US$13,6 bilhões em 2006 a um déficit estimado pelo mercado em US$29 bilhões este ano. As previsões para 2009 são de US$34 bilhões.