Título: A favor do mérito
Autor:
Fonte: O Globo, 13/10/2008, Opinião, p. 6

Ao escrever a célebre carta ao rei de Portugal Dom Manuel, dando-lhe conta da existência de uma terra em que "se plantando tudo dá", Pero Vaz de Caminha aproveitou o ensejo e pediu ao monarca emprego para um parente. Interpretações maldosas garantem que ali desembarcou o nepotismo no Brasil. Ao largo de qualquer preocupação em identificar a origem do mal, pode-se afirmar que o nepotismo, primo em primeiro grau do patrimonialismo, é uma coisa nossa. Ou seja, um traço cultural muito visível, principalmente na vida pública, mas que, enfim, recebeu um golpe certeiro do Supremo Tribunal Federal (STF).

A prática de nomeação de parentes, quando ocorre numa empresa familiar, coloca em jogo dinheiro privado. Mas, ao se dar na órbita pública, o nepotismo é financiado pelo contribuinte. Daí a necessidade de uma regulamentação do assunto por via legal. A interferência da Corte na questão era ainda mais necessária porque um dos renitentes focos de resistência a normas moralizadoras nesse campo tem sido o próprio Judiciário. Por isso, tanta celeuma causou a resolução baixada em 2005 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibindo a contratação em fóruns e tribunais de parentes até o terceiro grau. Juízes se recusaram a cumprir a determinação e tentaram atropelar a regra por via judicial. Portanto, foi bem-vinda a decisão do STF, tomada numa ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) a favor da resolução do CNJ, transformando-a em súmula vinculante, para evitar decisões em contrário nas instâncias inferiores da Justiça.

O combate ao nepotismo tem um alcance para além da questão ética - já importante por si só -, por ajudar a incutir na sociedade a importância do princípio do mérito. Numa sociedade em que boa parte é facilmente hipnotizada por acenos populistas, em que há lideranças políticas que estimulam o assistencialismo estatal, é necessário reforçar a valorização da capacidade de cada um conseguir a ascensão pessoal, independentemente de a qual família pertença.