Título: Europa sai à frente do socorro
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 13/10/2008, Economia, p. 15
França coordena plano conjunto da zona do euro, que prevê compra de ações de bancos.
Pela primeira vez, de forma coordenada, os 15 países da zona do euro - incluindo as duas maiores potências econômicas do bloco, Alemanha e França -, concordaram ontem em Paris em lançar um pacote de medidas para enfrentar a crise financeira global. Eles vão comprar participações acionárias em bancos, a exemplo do processo de estatização parcial anunciado semana passada pela Grã-Bretanha. Haverá compra de papéis da dívida e garantia dos empréstimos entre bancos até 31 de dezembro de 2009, praticamente paralisados com a crise de crédito, para assegurar capital e liquidez às instituições financeiras. O anúncio contrasta com as medidas genéricas propostas por G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) e G-20 (que inclui G-7 e emergentes) no fim de semana em Washington.
Medidas de Itália e Alemanha saem hoje
Outra decisão importante: nenhum país deixará seus grandes bancos falirem. A adoção de um plano único foi rejeitada. Assim, cada um dos 15 países da zona do euro vai elaborar o seu plano e anunciá-lo separadamente, até quarta-feira. França, Alemanha e Itália anunciarão suas medidas hoje. Apesar de as medidas estarem voltadas para os bancos, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, garantiu que elas não são um presente para eles:
- Não é uma dádiva para os bancos, é para ajudá-los a funcionar.
O pacote europeu foi decidido ontem num encontro de três horas em Paris entre ministros das Finanças dos países da zona do euro (Eurogrupo), com a participação dos presidentes da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, e do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet. As medidas foram anunciadas por Sarkozy, que está na presidência rotativa da União Européia (UE). Ele não revelou o montante do pacote.
- Decisões com cifras, só amanhã (hoje) - disse Sarkozy.
A paralisação dos empréstimos interbancários está no centro da crise. Os bancos têm receio de emprestar e, sem recursos, as instituições financeiras mais frágeis estão sob risco de falência. O primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, que preside o Eurogrupo, classificou o pacote de "caixa de ferramentas". E deu o tom dramático do momento:
- Não temos o direito de fracassar. E não vamos fracassar.
Portugal já anunciou uma de suas medidas ontem. O país vai oferecer uma linha de crédito a bancos locais de 20 bilhões (US$27,45 bilhões) para garantir a liquidez.
A Grã-Bretanha, que anunciou semana passada um plano de socorro aos bancos que prevê estatização parcial das instituições, foi a inspiração para o pacote aprovado ontem, como indicou o próprio Sarkozy. Isso explica a presença do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, na reunião, apesar de o país não fazer parte da zona do euro.
- Quarta-feira (quando o plano será submetido à aprovação dos 27 membros da UE) tentaremos colocar toda a Europa na mesma direção coordenada e ambiciosa. Isso é o que eu espero, que a Europa fale em uma só voz - disse o presidente francês.
Sarkozy voltou a defender uma reunião de cúpula para "refundar o sistema financeiro internacional".
Bolsas asiáticas abrem em alta
O pacote da zona do euro recebeu elogios, em Washington, do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, e do megainvestidor George Soros. Este classificou o plano de um "passo positivo" para estabilizar os mercados financeiros globais:
- Nas últimas 72 horas, os governos europeus se deram conta de que enfrentavam um problema sério. As pessoas querem liderança e finalmente estão conseguindo.
Como reflexo das discussões e medidas anunciadas no fim de semana, as bolsas asiáticas abriram em alta hoje. A de Sydney subia 4,55% e a de Seul, 2,67%. A Bolsa de Tóquio não abriu devido a um feriado no Japão.
Os efeitos da crise vão permear os encontros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com autoridades e empresários na viagem de cinco dias a Espanha, Índia e Moçambique. Lula, que chegou ontem à noite a Madri, reúne-se hoje com o presidente do governo espanhol, José Luís Rodríguez Zapatero. Também estão na pauta a retomada das negociações da Rodada de Doha e as relações entre Mercosul e a UE.
Na Espanha, Lula receberá o Prêmio Dom Quixote de La Mancha, junto com o escritor mexicano Carlos Fuentes, por ajudar a difundir o espanhol. Lula sancionou a lei que prevê o ensino de espanhol nas escolas brasileiras.