Título: Gordon agiu bem
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Fonte: O Globo, 14/10/2008, Economia, p. 21

Terá Gordon Brown, o premier britânico, salvo o sistema financeiro mundial?

Tudo bem, a pergunta é prematura - ainda não sabemos a forma exata do pacote de resgate financeiro na Europa ou até mesmo nos EUA e se vai funcionar de fato. O que sabemos, no entanto, é que Brown e Alistair Darling, o chanceler de Exchequer (o equivalente ao nosso secretário do Tesouro), definiram o caráter do esforço global de resgate, com outras nações ricas correndo atrás deles.

Isso é uma virada inesperada. Afinal, o governo britânico é um sócio júnior no que se refere a assuntos de economia mundial. É verdade que Londres é um dos grandes centros financeiros do mundo, mas a economia britânica é bem menor que a americana, e o Banco da Inglaterra não tem nem de perto a influência tanto do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) quanto do Banco Central Europeu. Assim, ninguém esperava ver a Grã-Bretanha desempenhando o papel de líder.

Mas, o governo britânico tem demonstrado disposição para pensar claramente, e agir com rapidez. E essa combinação de clareza e decisão não foi ainda vista em nenhum outro governo ocidental, muito menos os EUA.

Qual é a natureza da crise? Os detalhes podem ser confusamente complexos, mas o básico é bastante simples. A explosão da bolha imobiliária levou quem comprou ativos baseados no pagamento de hipotecas a grandes perdas; essas perdas deixaram muitas instituições financeiras com muitas dívidas e pouco capital para prover o crédito de que a economia necessita; as instituições financeiras afetadas tentaram honrar seus débitos e elevar seus capitais vendendo ativos, mas isso fez com que os preços dos ativos caíssem drasticamente, reduzindo ainda mais seus capitais.

O que pode ser feito para conter a crise? Ajudar os mutuários, embora desejável, não pode evitar grandes perdas sobre maus empréstimos e, de qualquer maneira, vai demorar muito para fazer efeito em meio ao pânico atual. A coisa natural a fazer, portanto - e foi a solução adotada em crises anteriores - é lidar com o problema do capital financeiro inadequado, com os governos provendo as instituições financeiras com mais capital em troca de participação.

Essa espécie de meia estatização temporária, que tem sido chamada de "injeção de ações", é a solução da crise, segundo muitos economistas - e fontes disseram ao "NYT" que é essa também a solução preferida por Ben Bernanke, o presidente do Fed.

Mas, quando Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, anunciou o pacote de US$700 bilhões para salvar o sistema financeiro, ele rejeitou esse caminho óbvio. Em vez disso, sugeriu que o governo comprasse papéis podres das hipotecas, baseado na teoria de que... bem nunca ficou claro qual é a sua teoria.

Enquanto isso, o governo britânico foi direto ao coração do problema - e se mobilizou para enfrentá-lo com presteza. Na quarta-feira, assessores de Brown anunciaram um pacote de injeção de dinheiro nos bancos britânicos, garantia para as dívidas dos bancos para estimular a volta dos empréstimos interbancários, um passo crucial do mecanismo financeiro.

Numa reunião de cúpula no domingo, as principais economias da Europa continental se declararam prontas a seguir a liderança da Grã-Bretanha, injetando centenas de bilhões de dólares nos bancos e garantindo suas dívidas. E, quem diria, Paulson - depois de perder várias semanas preciosas - também mudou de curso, e agora pretende comprar participações nos bancos em vez de papéis podres (embora ele ainda pareça estar se movendo com uma dolorosa lentidão).

Como disse, ainda não sabemos se essas iniciativas funcionarão. Mas, finalmente, há uma política movida pela visão clara do que precisa ser feito. O que levanta a seguinte questão: por que essa visão clara teve que vir de Londres em vez de Washington?

É difícil evitar a sensação de que a resposta inicial de Paulson foi distorcida por ideologia. Lembre-se, ele trabalha para um governo cuja filosofia de governo pode ser resumida a "privado é bom, público é ruim", o que deve ter tornado difícil de enfrentar a necessidade de participação acionária do governo no setor financeiro.

Também imagino o quanto o esvaziamento do governo sob a gestão Bush não terá contribuído para a hesitação de Paulson. Em todas as áreas do Executivo, profissionais de renome foram empurrados para fora; pode ser que não tenha sobrado ninguém no Tesouro com estatura e experiência para dizer a Paulson que ele não estava fazendo sentido.

Sorte da economia mundial, porém, que Gordon Brown e seus assessores estejam fazendo sentido. E eles podem até ter nos mostrado o caminho para sair dessa crise.

PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times" e prêmio Nobel de Economia de 2008