Título: Da depressão à euforia
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Fonte: O Globo, 14/10/2008, Economia, p. 21

Após perdas históricas, bolsas disparam com pacote europeu: Bovespa salta 14,66% e Dow, 11%.

NOVA YORK, RIO, LONDRES e XANGAI

Os mercados registraram ontem outro dia de recordes - desta vez, positivos - como reflexo do megapacote de socorro dos governos europeus, que, somado aos de Oceania e Oriente Médio, chega a US$2,4 trilhões. As medidas contribuíram para restaurar, por ora, a confiança dos mercados. Depois de registrar sua pior semana em mais de um século, o Dow Jones, principal índice da Bolsa de Nova York, saltou ontem 936 pontos, ou 11,08%. Em pontos, foi a maior alta já registrada pelo índice - no ano 2000, em pleno boom das empresas de tecnologia, o maior ganho fora de 499 pontos. Em percentual, foi o maior salto na história do Dow desde setembro de 1932, segundo o site CNNMoney. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo saltou 14,66% - a maior alta entre as principais bolsas do mundo - e fechou na máxima do dia, aos 40.829 pontos, sem nenhuma ação em baixa. Foi a maior valorização desde 1999, quando o governo instituiu a livre flutuação do câmbio.

Álvaro Bandeira, diretor da Ágora Corretora, classificou o anúncio de "pacotaço". Para ele, o essencial é injetar recursos nos bancos para que eles possam emprestar a consumidores e empresas, de forma que a economia global continue crescendo:

- Se a confiança fica minimamente restaurada, os mercados se acomodam melhor - avalia.

O S&P 500 avançou 11,58%, também a maior alta em 76 anos. O Nasdaq subiu 11,81%, sua segunda melhor alta percentual, só abaixo dos 14,2% de 3 de janeiro de 2001, às vésperas do estouro da bolha da internet.

- Minha tela está totalmente verde, e eu adoro isso - disse John Lynch, analista-chefe da americana Evergreen Investments. - Mas ainda temos muitos desafios pela frente.

O CAC-40, da Bolsa de Paris, também registrou recorde histórico, ao subir 11,18%. Em Londres, o FTSE teve valorização de 8,26%, sua segunda maior alta. Em Frankfurt, o DAX avançou 11,40%. Na Ásia, onde os mercados abriram poucas horas depois de o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ter anunciado domingo que os países da zona do euro haviam chegado a um consenso sobre o combate à crise, a resposta também foi positiva. A Bolsa de Hong Kong saltou 10,24%. Sydney, Xangai e Seul subiram 5,65%, 3,24% e 3,80%, respectivamente.

Banco recomenda ativos de emergentes

No Brasil, também colaborou para os ganhos da Bolsa a liberação de mais R$100 bilhões em compulsórios pelo Banco Central (BC). Isso deu impulso aos papéis de bancos: as ações ordinárias (ON, com direito a voto) do Banco do Brasil, ganharam 20,71%; as preferenciais (PN, sem direito a voto) de Bradesco e Itaú subiram 22,13% e 23,37%, respectivamente; as units (grupo de ações) do Unibanco avançaram 22,7%.

Para Rafael Moysés, gestor da Umuarama, as medidas permitirão que os investidores ajam com menos irracionalidade:

- Eles agora voltarão a olhar os números das empresas e os fundamentos de economia antes de tomar decisões, não apenas a questão da liquidez.

Lá fora, também houve ação coordenada dos bancos centrais. O Federal Reserve (Fed, o BC americano), o Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu (BCE) e o BC suíço se comprometeram a emprestar aos bancos comerciais "qualquer valor que eles desejarem, contra garantia apropriada". O objetivo é assegurar a liquidez dos bancos comerciais, para que eles reabram os mercados de crédito. O Banco do Japão disse que estudará medidas semelhantes.

Para Daniella Marques, gestora da Mercatto, a ajuda aos bancos afasta do mercado o temor do risco sistêmico, que vinha abalando o Brasil.

- O pior do perigo imediato passou - disse à Bloomberg News Bruce McCain, estrategista-chefe do Key Private Bank.

O banco Morgan Stanley afirmou ontem que está aumentando suas apostas para os países emergentes ao nível máximo, o que não ocorria desde abril de 2007. "Estamos aumentando nossa exposição a ativos de países emergentes para um peso de 10% acima da média de referência do mercado", afirmou o banco em relatório para investidores.

Segundo o Morgan, a economia mundial "está em uma transição dolorosa, para ser depois liderada pelos países emergentes". O relatório afirma ainda que "100% de todo o crescimento mundial em 2009 virá dos mercados emergentes". Para o banco, as medidas tomadas pelo G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) para sustentar instituições financeiras importantes vão catalisar a recuperação dos mercados.

EUA darão detalhes de seu plano hoje

Essa recuperação se refletiu nas commodities. Depois de ter caído mais de 10% na sexta-feira, o petróleo voltou a ficar acima dos US$80. O barril do tipo leve americano fechou em alta de 4,49%, a US$81,19. Já o do tipo Brent avançou 4,54%, a US$77,46. Analistas, porém, ainda alertam para o risco de queda de demanda.

Alguns analistas mantêm a cautela. Chris Johnson, diretor-executivo do Johnson Research Group, espera os detalhes sobre o pacote de US$700 bilhões que o Tesouro americano vai divulgar hoje.

- O diabo estará nos detalhes - disse Johnson à CNN.

Em meio à euforia, a Light comunicou ao mercado que pediu autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para emitir ADRs (recibos de ações) nos EUA. A oferta será feita em mercado de balcão e, segundo a empresa, a quantidade de papéis dependerá da demanda. (Juliana Rangel, com agências internacionais)